Algodão dá exemplo de agro sustentável: mais de 80% da produção é certificada segundo critérios sociais e ambientais

Mariana Sgarioni | 12 set 2022
Silmara Salvati Ferraresi, gestora do movimento “Sou de Algodão”.
Mariana Sgarioni | 12 set 2022

Se o algodão que está na sua roupa hoje foi produzido no Brasil, é muito provável que ele venha de uma fazenda certificada que precisou mostrar que cumpre rigorosas leis ambientais, econômicas, sociais e trabalhistas para conseguir este papel – isso porque, atualmente, 84% da nossa produção é certificada. Um exemplo que poderia ser seguido por todo o agronegócio brasileiro. Para que este certificado saia, o produtor de algodão deve cumprir nada menos do que 183 itens, divididos em 8 critérios. Destes, 51 itens são de conformidade obrigatória e, nos demais, a fazenda passa por aprovação progressiva. Dá trabalho, sim, mas vale a pena.

 “O produtor precisa ter 100% de aprovação, caso contrário fica fora da certificação. Esta lista passa por verificação todos os anos – se conseguir neste ano, não está garantido que conseguirá no ano que vem, e assim por diante. Se o produtor não tiver o certificado, ele não tem vantagem financeira, pois o mercado demanda cada vez mais a matéria-prima certificada. Quem tem o certificado, tem prioridade de compra. É um poder de preferência. Para o produtor brasileiro é interessante.”, afirma Silmara Salvati Ferraresi, assessora da presidência da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) e gestora do movimento “Sou de Algodão”. 

“Hoje somos os maiores fornecedores de algodão “Better Cotton” do mundo: 42% deste algodão em todo o planeta é fabricado no Brasil”.

Silmara conta que, desde 2001, a produção nacional de algodão passou a ser não apenas para exportação como também para abastecer o mercado interno. Atualmente, o país é o segundo maior exportador do mundo e o quarto maior produtor.

ALGODÃO BRASILEIRO RESPONSÁVEL

A preocupação, no início dos anos 2000, era a de era estruturar o setor e posicioná-lo no mercado externo. Desde 2004, todo fardo de algodão brasileiro passou a sair com uma etiqueta amarela do SAI (Sistema Abrapa de Identificação), fornecendo todos os dados desta produção. A certificação detalhada da ABR (Algodão Brasileiro Responsável) passou a sair em 2005, com os detalhes que tem hoje. “Apesar do nosso rigor, o mercado não confiava na análise de qualidade do algodão brasileiro. Em 2016, criamos um laboratório em Brasília que desenvolve um programa detalhado que avalia e acompanha toda esta análise. Assim a credibilidade aumentou”.

Apesar dos esforços, o consumidor pouco ou nada sabia deste processo. O desafio da Abrapa passou a ser como fazer com que todos estes critérios chegassem ao consumidor final. Primeiro veio o projeto “Sou de Algodão”, de 2016, que promoveu a fibra, e hoje já conta com mais de mil marcas parceiras. Em 2021, surgiu o SouABR, um programa de rastreabilidade completa das peças. Cada peça recebe um QR Code que conta toda a jornada de produção do produto.

“Pelo QR Code você chega na origem do produtor da sua peça, na fazenda, sabe de onde ela saiu, quais a cadeia de fornecedores aquele fio percorreu. Queremos levar um pouco da história daquilo que a gente veste. O consumidor precisa ter um motivo para escolher aquela peça, ele precisa saber o que isso significa. É um desafio enorme, não se trata de um processo fácil que as empresas estão acostumadas a fazer”

Atualmente duas marcas já aderiram ao Sou de Algodão: Reserva e Renner, em uma coleção de calças jeans.

NADA SE PERDE

O algodão é a matéria-prima mais utilizada em todo o mundo pela indústria têxtil. Entretanto, a planta não é usada apenas em roupas, ela pode ser completamente aproveitada para outras indústrias, sem nenhuma perda. Silmara explica como:

“Quando é colhido, o algodão tem a pluma e o caroço. O caroço pode ser vendido para esmagar e produzir óleo, que é nobre. A casquinha das plumas pode ser usada para a produção de torta. O caroço também pode ir para a alimentação do gado. Em volta do caroço tem um pouco de pluma que produz a fibrilha, que é usada para estofar carros, por exemplo, ou para misturar em panos de chão, redes. É 100% de aproveitamento”.

Atualmente, 92% da produção brasileira de algodão utiliza regime de irrigação com água das chuvas, o que faz com que a pegada hídrica seja bem baixa, sobretudo em relação à produção norte-americana.

DESAFIOS

Nossa produção algodoeira carrega um calcanhar de Aquiles: o uso de defensivos. Segundo Silmara, trata-se de um problema, por ora, aparentemente sem solução por causa da principal praga do algodão chamada Bicudo do Algodoeiro, capaz de devastar lavouras inteiras.

“Não temos inimigos naturais para combater certas pragas como o Bicudo do Algodoeiro. Para outras pragas, já temos biofábricas. Os defensivos custam muito caro, e o produtor sabe que se ele puder usar substâncias biológicas vai ficar mais barato para ele, pois quanto menos ele gastar com defensivos, melhor. Se tivéssemos todas as lavouras 100% orgânicas, não teríamos a produção que temos hoje porque não conseguimos controlar o Bicudo”, diz.

Silmara aponta ainda desafios na parte de altos valores de investimentos estruturais para alguns produtores, como contenção, alojamento, maquinários. Apesar de estar evoluindo, em governança também há um caminho a percorrer como a contratação de mulheres e de pessoas com necessidades especiais.

“Sabemos que ainda há desafios e buscamos melhorar. Mas queremos lembrar o peso que a roupa tem. Ela reflete quem nós somos, reflete nossas escolhas. Temos o dever de saber de onde veio, e por quais mãos cada peça que usamos passou. Vestir uma roupa é uma responsabilidade com a vida”.



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