“Desmatar está mais barato do que replantar: é preciso subir este custo para as empresas”, defende procuradora

Bruno do Amaral | 4 out 2022
Ana Carolina Haliuc, procuradora do Ministério Público Federal do Amazonas.
Bruno do Amaral | 4 out 2022

O impacto causado pelo desmatamento tem sido muito maior do que a compensação por meio de créditos de carbono ou replantio. Esta é a avaliação da procuradora do Ministério Público Federal do Amazonas, Ana Carolina Haliuc. Esse diagnóstico foi apresentado em setembro, durante o ciclo “Diálogos Pelo Clima”, promovido pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), mas foi acompanhado de um remédio – a implantação da calculadora de carbono. 

A proposta é que se utilize a metodologia do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que considera o custo atribuído à emissão de carbono que poderia ter sido evitada, chegando à base de cálculo de US$ 5 por tonelada de carbono. Essa métrica considera com precisão a densidade da floresta desmatada, a localização e também o impacto que não é evitado com um eventual reflorestamento. É um parâmetro previsto em lei, e utilizado pelo Fundo Amazônia para a captação de recursos.  

A ideia é utilizar essa metodologia para levar a uma sanção mais severa. 

O custo pode ser mais alto do que o valor do replantio de árvores. Em algumas ações, isso ficou muito claro: era muito mais barato promover o desmatamento do que equiparar aos valores de US$ 5″.

Em nenhuma das ações houve sentença, mas várias liminares em tutela de urgência já foram conseguidas pelo MPF-AM, disse a procuradora. 

Carioca, formada em Direito pela USP e atuante no Ministério Público Federal desde 2014 (e desde 2018 como titular de oficial ambiental no Amazonas), Ana Carolina Haliuc pesquisou essa possibilidade jurídica para uma Ação Civil Pública (ACP) que afetava um projeto de assentamento agroextrativista (PAE). 

NETZERO: Como começou ideia de encontrar uma brecha jurídica para aumentar as sanções de empresas desmatadoras

ANA CAROLINA HALIUC: A gente vinha fazendo atuações na região, com ações civis cancelando cadastros ambientais, e nada disso estava sendo suficiente, e até hoje não é. Vimos que é um território muito complicado, e o Estado brasileiro está falhando miseravelmente em proteger uma área superdensa de floresta, que desmatada causa uma emissão maior de carbono do que seria em floresta comum. Por ser um território extrativista, tem proteção adicional, então não é um desmatamento comum no qual o suposto dono teria direito a desmatar 20% da área. É como uma área de conservação, é destinada à integridade ecológica.

E aí entrou a calculadora do Ipam, que é ótima: do ponto de vista geográfico envolve a quantidade de carbono emitida, levando em consideração as características da floresta na região, e não por uma média da Amazônia. Com isso, conseguimos ver o quanto em toneladas estava sendo emitida em gás carbônico. Essas emissões jamais poderiam ter sequer existido, o desmatamento já não poderia ter acontecido. 

Essa calculadora é utilizada de qual forma?

Essas mudanças [no meio ambiente] causam um dano, e temos que impor à pessoa que responde pelas emissões que se repare o dano correspondente. Trabalhamos com a ideia de status quo ante – ou seja, o estado de higidez, integridade anterior. 

Se havia floresta antes, tem que replantar, mas isso também traz limitações, pois nunca será igual. Quando se olha as emissões, a questão é voltar ao estado anterior – como se as emissões não tivessem acontecido.

No MPF utilizamos o cálculo do Fundo Amazônia, que capta recursos para prevenir emissões. Nessa captação, estima-se para quem quer financiar que, para cada US$ 5, uma tonelada de carbono não é emitida, é um preço da prevenção. É um cálculo estipulado por entidade oficial, um fundo instituído por normas, decretos e com todo o amparo técnico. Mas é um cálculo subestimado – os estudos mais conservadores dizem que o custo é de pelo menos US$ 10. 

Quantas ações já usaram essa metodologia?

Já são mais de 15 incidentes que vêm usando esse critério em ações civis públicas. 

O importante é a defesa da ideia de que, quando se exerce atividade econômica, os lucros da atividade vão para o empresário. Assim, os custos da atividade deveriam, por natureza, também ser atribuídos a ele. Mas existe parcela de custos que é suportada só pela sociedade, especialmente com o ambiente. Se a fábrica está poluindo e tem todo o gasto do poder público envolvido, quem está ganhando é o empresário, mas quem está bancando os custos é o público. 

Como isso se converte em oportunidades?

Isso é um fator de inovação, porque empresas mais inovadoras e limpas podem ser mais competitivas e acabem oferecendo serviços no mercado, ganhando por competitividade e inovação também na área ambiental. Estamos todos suportando danos derivados das mudanças climáticas, mas ganhos com o desmatamento, com exploração imobiliária ou com agropecuária, ficam só na bolsa do desmatador.

O impacto nas famílias do assentamento não entra na conta?

Não considera, é um cálculo extremamente conservador, é (apenas) um custo de prevenir a emissão e da adoção de medidas para que o desmatamento não aconteça. É um valor muito menor do que o de reparação de danos. 

Saiba como uma empresa pode fazer o cálculo do custo do desmatamento 

  • A calculadora do Ipam pode ser utilizada por qualquer empresa que queira entender o custo das emissões associados ao desmatamento. 
  • O custo do desmatamento tem que ser considerado no momento de decisão econômica, incluindo as consequências que sejam condizentes com os danos. “Idealmente, espera-se que agentes façam cálculos econômicos neste sentido, investindo em opções de floresta in tech”, declara Ana Carolina Haliuc. 
  • Há oportunidade de negócios, diz a procuradora federal. “Tem tonelada de carbono equivalente negociada a US$ 100 hoje em alguns mercados”, diz.
  • Clareza e transparência do quanto se emite é um caminho que as empresas devem trilhar, destaca Haliuc. “Porque dizer que é net-zero é muito fácil,com mecanismos de certificação. Mas dizer que emito X e estou compensando com Y, ou se vou simplesmente não emitir, é muito mais forte e justo para a população.”


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