“Faltam dois pilares ao ESG: lucro e espiritualidade”, provoca Pedro Moura, da Viana & Moura Construções

Mariana Sgarioni | 11 out 2022
Pedro Ivo Moura, fundador da Viana & Moura Construções.
Mariana Sgarioni | 11 out 2022

Quem quiser contar a história do ESG no Brasil, com certeza terá que dedicar alguns bons capítulos sobre o Grupo Moura, empresa de baterias com mais de 60 anos de existência, e sede em Pernambuco. “O que hoje chamam de logística reversa, nós já fazíamos no quintal da minha casa, na década de 1950. Havia um forno e meus pais reciclavam baterias antigas. A empresa já nasceu com esta prática de coletar baterias usadas”, lembra Pedro Ivo Moura, um dos filhos dos fundadores do grupo.

Pedro aprendeu com os pais e avô de que maneira uma empresa pode nascer sustentável – desde a preocupação com o meio ambiente, passando pelo cuidado com funcionários e com a sociedade que vive no entorno. “Até o padre vinha aqui em casa conversar sobre como ajudar as pessoas da cidade”, diverte-se.

A jornada do executivo no grupo familiar terminou em 1999, quando ele decidiu empreender em outros negócios. Foram quatro tentativas que não foram adiante, entre elas uma aposta num clube de futebol. Até que ele mergulhou em trabalhos voluntários e em uma caminhada espiritual, que culminou em uma ideia: “Tive uma visão de futuro: uma pequena vila de casas populares. Disse à minha filha: já sei o que vou fazer”. Foi assim que, em 2003, nasceu a Viana & Moura Construções, uma empresa que levanta moradias para famílias de baixa renda, que ganham até 3 salários mínimos. A construtora já entregou mais de 15 mil casas, e recentemente conquistou o certificado do Sistema B, um movimento internacional que mede o impacto socioambiental positivo em 5 pilares: governança, trabalhadores, comunidade, meio ambiente e clientes.

Pedro Moura foi mais longe e fundou, dentro da construtora, o Instituto Pipa, que nasceu para ajudar na educação dos filhos pequenos dos colaboradores – mas que agora cresceu e já se tornou uma consultoria em primeira infância para outras empresas. “Não se trata apenas de uma creche. Este é o caminho de maior impacto para a transformação social: preparar as crianças pequenas para receberem o aprendizado futuro”.

Na entrevista a seguir, o empresário conta sua trajetória e seus propósitos ligados ao trabalho, ESG, empreendedorismo, consciência espiritual e – sobretudo – a uma imensa fé na humanidade.

NETZERO: Como a história da sua vida se confunde com uma indústria que já nasceu ESG?

PEDRO IVO MOURA: O Grupo Moura completou neste ano 65 anos. A fábrica nasceu no fundo do quintal da minha casa, no interior de PE, na cidade de Belo Jardim. Não tinha muros, então nós, as crianças, passavam de casa para a fábrica, como se fosse uma coisa só. Nesta época não havia o termo sustentabilidade, muito menos ESG. Mas eu costumo dizer que na minha casa o café da manhã, o almoço e o jantar com nossos pais, que eram químicos industriais, o assunto era sempre um só: a fábrica. Eles falavam o tempo todo em ambiente e no cuidado com as pessoas: isso significava a interação com a vizinhança no que diz respeito a aspectos sociais.

A preocupação não era só com os colaboradores, mas também com a sociedade. A cidade era pequena: meu pai ia na prefeitura, ou o prefeito e o padre apareciam lá em casa para falar sobre de que forma a empresa poderia colaborar com a cidade, com as pessoas. 

As pessoas iam lá em casa, batiam palma no portão, para pedir emprego. Meu avô e meu pai fizeram uma importante gestão para toda a comunidade. Conseguiram a construção de uma barragem para reserva de água na cidade. Isso melhorou a vida de todos os moradores, uma vez que ali é uma área muito seca.

O que mais você viu nascer na Moura em termos de ESG?

Desde que eu e meus irmãos assumimos a gestão, pensamos o tempo todo em melhorar as práticas de trabalho. Implantamos, por exemplo, o CCQ (Círculo de Controle de Qualidade), muito difundido na década de 1980, que era um sucesso nas empresas japonesas. Usávamos essa ferramenta para melhoria do ambiente de trabalho e na convivência com os vizinhos, no entorno da empresa. Havia práticas esportivas, entre colaboradores e pessoas dos arredores, além de celebrações envolvendo todos. 

A reciclagem das baterias, hoje chamada de logística reversa, começou no fundo de quintal da minha casa, na década de 1950. Havia um forno no quintal em que a gente fazia a reciclagens. A empresa já nasceu com esta prática de coletar as baterias usadas. 

Permaneci na Moura por quase 20 anos.

Por que você decidiu mudar o rumo da sua carreira?

Em 1999, resolvi fazer uma jornada diferente e empreender, fundar meu próprio negócio: apostei numa empresa de futebol, que durou apenas um ano, e não foi adiante. Eu queria montar algo que houvesse impacto socioambiental, sem saber o que. Tentei outras 4 empresas, que duraram pouco tempo. Fiquei frustrado, achei que não havia mais possibilidade.

Então fui trabalhar como voluntário em um abrigo de idosos e em uma ONG que cuida de crianças em situação de rua. Lá eu cuidava do almoxarifado. Paralelamente a isso, comecei uma caminhada espiritual. Fiz um curso americano para expandir a consciência dos participantes, como se fosse uma meditação. Durante um retiro, tive uma visão de futuro: uma pequena vila de casas populares. Disse à minha filha: já sei o que vou fazer. Foi assim que fundei a Viana & Moura Construções para casas populares de famílias de baixa renda, que também nasceu ESG e até um pouco mais.

Como assim?

Acho que no ESG faltam alguns pilares. Algo que não falta na Viana. Quando se fala em ESG, ninguém fala em lucratividade. O G fala de governança, mas não fala sobre a sustentabilidade financeira da empresa, como não deixar a empresa falir. É preciso tratar da parte econômica. E o outro pilar que falta a espiritualidade: uma empresa para estar de fato a serviço da sociedade e do meio ambiente deve estar ligado a valores espirituais, não a religião nenhuma e sim a consciência.

De que forma trabalha a Viana?

Temos a intenção de ser uma empresa de impacto socioambiental. Estamos a serviço da família de baixa renda. Já entregamos por volta de 15 mil casas. Temos uma prática de entregar a chave por meio de um colaborador que tenha trabalhado naquela casa – queremos conectar as pessoas da empresa com as famílias que compram a casa. Para ampliar o senso de propósito. Temos o cuidado ambiental, respeitando todos os critérios, incluindo todo o replantio quando há necessidade. É uma atividade onde experimentamos o sabor positivo de ter uma empresa com o cuidado espiritual, social, ambiental e desempenho econômico.

E dá lucro?

O lucro não é um fim. Mas ele é um meio para nosso propósito. Temos um desempenho financeiro diferenciado. Um dos motivos: os colaboradores trabalharem motivados. 

Distribuímos 10% do lucro a cada semestre aos colaboradores: eles também desfrutam do sucesso da Viana. Durante muito tempo defendeu-se a empresa com fins lucrativos. O que floresce agora são as empresas de impacto socioambiental que geram lucro. Elas podem ser ainda mais lucrativas do as outras. Parece incompatível, mas não é. Temos um propósito que nos move.

Você sente que seus propósitos foram atingidos?

Ainda não totalmente…[risos]. Temos agora um braço da empresa dedicado à educação da primeiríssima infância.

De que maneira o setor de educação chegou em uma empresa de construção?

Fui convidado, há 5 anos, pelo prefeito do Recife, para falar sobre educação. Surgiu o assunto sobre creches. É uma dor. Nossa necessidade de vagas é muito maior do que estamos disponibilizando. Naquele dia, decidi que precisava fazer alguma coisa. Não adiantava só fazer creche: não seria suficiente, aquilo não iria escalar. Estive num seminário logo em seguida que me apresentou a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e me convidou para um encontro sobre primeira infância em Fortaleza. Fiz um curso e fui aumentando minha consciência sobre o assunto. Passamos a visitar as famílias de nossos colaboradores da Viana, para apoiar o desenvolvimento de seus filhos na primeira infância.

Um colaborador nosso da obra me disse: “aqui eu ajudo a pessoas a terem casa própria e a empresa me ajuda a criar meus filhos, até mesmo na área emocional”. Entendi que aquilo estava voltando para a gente. Criamos uma marca, uma empresa paralela: a Pipa (Primeira Infância Plantar Amor) e decidimos enveredar para a parte digital, em 2019. Veio a pandemia, seguimos apoiando as famílias da Viana, com o meio digital. Transformamos a Pipa num instituto e passamos a oferecer o serviço também para outras empresas. Nasceu como um serviço para nossos colaboradores e agora ampliamos para outras empresas. Temos hoje mais de 300 famílias sendo apoiadas pela Pipa. 

Este é o caminho de maior impacto para transformação da humanidade: as crianças. Desenvolver seres humanos mais aptos ao aprendizado antes deles irem à escola. Nosso foco é na primeiríssima infância, até os 3 anos de idade. Estamos engajados. Optamos por este investimento porque acreditamos que é possível construir um mundo melhor.



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