Fernando Careli: “Na Ferrero, não existe a possibilidade de decisão ser tomada sem que o time de sustentabilidade esteja envolvido”

Renato Essenfelder | 4 jul 2022
Fernando Careli, diretor de Assuntos Corporativos da Ferrero para a América do Sul. (Foto: Divulgação)
Renato Essenfelder | 4 jul 2022

Com experiência corporativa em setores tão diversos como os de infraestrutura, embalagens, varejo e alimentos, o paulistano Fernando Careli, 37, vê um fio condutor comum a todos, em relação à agenda de responsabilidade corporativa: em primeiro lugar, a consciência de que as mudanças climáticas irão afetar todo o planeta. Em segundo, que o papel do profissional de ESG, qualquer que seja o seu mercado de atuação, é o de um mediador, alguém com visão holística e estratégica.

Careli é atualmente diretor de Assuntos Corporativos da Ferrero para a América do Sul. Filho de professores, chegou a ensaiar uma carreira acadêmica, formando-se em Ciências Biológicas na Unesp em 2007. Não demorou muito, contudo, para apaixonar-se pela área corporativa, incomodado com a burocracia universitária.

Sobre o papel dos executivos da área de responsabilidade corporativa, ele declara-se, sobretudo, pragmático. “Os produtos e serviços existem para atender àquilo que a gente, como sociedade, demanda. Cabe aos profissionais da área ajudar a fazer com que esses produtos e serviços sejam melhores”, diz.

Na Ferrero, uma fabricante de alimentos doces com um portfólio de estrelas como Ferrero Rocher, Nutella e Kinder, essa visão pragmática está alinhada com os ideais dos fundadores: já que chocolates existem, e quase todo mundo ama chocolate, a responsabilidade da empresa entra na forma de porções reduzidas e individualmente embaladas, que não convidam ao abuso, e no cuidado com a matéria-prima.

Todo o cacau usado pela empresa, diz Careli, é certificado, rastreado e sustentável. Também na gestão de cadeias ultrassensíveis, como a do óleo de palma, a empresa tem recebido distinções em rankings independentes de sustentabilidade. Mais do que melhorar o controle e a qualidade dos insumos usados pela Ferrero, diz o executivo, o objetivo é impactar todo o setor.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida por ele a NetZero.

NETZERO: Sua formação é incomum para um executivo: ciências biológicas. Como foi parar na área corporativa?

FERNANDO CARELI: Um ideal ecológico me levou a cursar biologia. Nasci em São Paulo, mas cresci em Botucatu (SP). Eu era muito apegado à natureza e achava que o curso iria me ajudar a contribuir pra um ambiente mais saudável. Aprendi muito.

Eu brinco que os meus líderes anteriores me contrataram sem reparar nesse fato. A área em que me formei é focada em formar pesquisadores, cientistas, gerar conhecimento de base. Durante os meus anos na faculdade, dois pontos me incomodavam. Eu via um desenvolvimento acadêmico gigantesco, um enorme know-how, represado no ambiente universitário, sem sair dali. Além disso, era um formato de trabalho muito burocrático, do qual eu particularmente nunca fui fã. Sou uma pessoa objetiva, que vai direto ao ponto.

Como foi a transição para fora da universidade?

Não foi fácil. Eu cheguei a entrar em um mestrado na USP e o abandonei, porque achei muito acadêmico. Eu queria pôr a mão na massa. Fiz uma pós-graduação em gestão ambiental e comecei a trabalhar em consultoria. Foi minha primeira experiência fora do ambiente universitário. Aprendi a ajudar companhias e instituições a gerir e a fazer seus negócios de uma forma melhor. O que eu percebi então é que as corporações fazem parte da vida das pessoas. Nelas acontecem decisões que fazem bem ou mal ao planeta, que têm impacto.

Você tem uma visão pragmática do papel das empresas na sociedade?

Eu não sou ideológico de achar que o mundo vai deixar de ser mundo e as coisas vão mudar do dia para a noite. Os produtos e serviços existem para atender àquilo que a gente, como sociedade, demanda. Cabe aos profissionais da área ajudar a fazer com que esses produtos e serviços sejam melhores, tenham menos impacto negativo e mais impacto positivo. A gente não vai deixar de ter estradas, veículos, embalagens. Tudo isso vai continuar sendo necessário.

Qual foi a sua primeira experiência com um projeto com impacto socioambiental positivo?

O primeiro case transformador que eu vivi foi em Caraguatatuba (SP), construindo uma estrada que passava por dentro do parque da Serra do Mar, uma área de preservação. Aquilo teria um impacto ambiental e social enorme e eu consegui ajudar a conduzir o processo de uma forma equilibrada. A rodovia tinha que ser construída, mas propusemos soluções que reduziram muito a necessidade de derrubada e limpeza de terreno. Esse é o papel mediador que todo mundo nessa área tem que ter. No ambiente corporativo em geral falta esse olhar ponderado. Não dá para dizer “Não vamos fazer nada”. É preciso propor soluções.

Você observa progresso na agenda ESG das empresas desde que começou a prestar consultoria?

Não sei se é porque a companhia em que trabalho hoje tem isso muito internalizado, mas sim, eu vejo uma evolução enorme.

“Aqui na Ferrero não existe a possibilidade de uma decisão ser tomada sem o meu time estar envolvido. A minha agenda não é minha, porque o CEO me chama para todas as decisões. Ele quer ter um olhar global dos processos, um olhar ambiental, social, de diversidade.”

Mas essa evolução das empresas em relação a ESG é generalizada?

Não dá para dizer que está todo mundo na mesma página. Existem companhias mais maduras do que outras. Entendo isso e respeito essa jornada. As empresas precisam passar por certas dores para terem certos aprendizados. Olho isso com bastante atenção para discernir o que é execução e o que é ainda intenção sem realização – o que segue muito comum. Mas, de forma geral, vejo uma evolução. Antes o tema nem estava na agenda. Hoje, está. Talvez não no nível sonhado, mas já significa algo.

Você começou a carreira corporativa no setor de infraestrutura, depois passou pelas indústrias de embalagens, varejo e alimentos. Existe alguma diferença na forma como esses setores tratam a questão ESG no Brasil?

Para mim não é uma diferença de forma, mas de maturidade. Existem setores que já começaram nessa agenda de ESG antes, que por sua própria natureza se viram mergulhados em discussões de temas ambientais e sociais com mais profundidade, e setores talvez mais distantes do consumidor ou das realidades em que esses temas são mais efervescentes.

Todos os setores têm seus desafios. Mesmo atividades que parecem simples podem ser muito complexas. Por exemplo, o varejo é um dos setores mais desafiadores, considerando a complexidade que há por trás de redes que comercializam milhares de produtos. Isso significa monitorar e se envolver em milhares de cadeias. É um nível de complexidade bastante alto.

Quem impulsiona as empresas esse sentido? O mercado financeiro? A sociedade civil?

Ambos. Acho que a sociedade civil organizada por meio de ONGs tem sido um grande vetor direcional para o mercado financeiro, exercendo pressão. Por muitos anos o mercado financeiro não via essa discussão. A partir do momento em que as ONGs começaram a pressionar essas entidades, essa agenda começou a ganhar força.

O que você enxerga como grandes tendências na agenda ESG?

Primeiro, uma integração fortíssima de todos os temas relacionados à mudança climática. É óbvio que todas as companhias estão trabalhando com metas net zero, descarbonização, positivação do carbono, mas acho que a gente ainda vai ver os impactos das mudanças climáticas nas nossas vidas e isso vai impor um contexto que não sabemos qual vai ser.

“A nova realidade climática vai exigir muita adaptação, flexibilidade e velocidade de atuação por parte de vários setores. Todos serão impactados pelo planeta que teremos.”

Outro tema muito relevante é a transparência. Especialmente no Brasil eu vejo que isso vai crescer muito. Os consumidores cada vez mais estão se interessando por saber de onde vem e como é feito o produto.

Como a pandemia afetou essa agenda?

Ficou muito claro o quanto nós somos vulneráveis como sociedade. Somos uma geração que cresceu ouvindo falar de pandemias do ponto de vista teórico, mas nunca imaginamos passar por uma – nem as consequências que essa pandemia poderia trazer. Sobrevivemos e ainda estamos vendo os efeitos de tudo isso do ponto de vista de consumo, comportamento, escolhas, valorização e priorização de coisas. Estamos em uma fase de rescaldo do que foi esse tempo de isolamento social para entender como seremos daqui em diante.

O que você destacaria nas ações de responsabilidade corporativa da Ferrero?

A responsabilidade com tudo aquilo que vai nos nossos produtos. Não queremos só que o nosso consumidor tenha uma experiência incrível do ponto de vista de sabor e qualidade quando come um Ferrero Rocher, um Kinder, um Nutella, um Tic Tac. Mais do que isso, a nossa forma de fazer negócios é entendendo que os ingredientes que fazem parte dos produtos têm que ser os melhores, tanto em qualidade quanto para o planeta.

Pouca gente sabe, mas a Ferrero é reconhecida pela sociedade civil pela forma como gere as cadeias – especialmente as mais críticas, como a de óleo de palma. A Ferrero é referência nos rankings anuais da WWF sobre empresas mais responsáveis no uso de óleo de palma. Estamos sempre em primeiro ou segundo lugar, porque desde 2015 a gente já atingiu nossos compromissos. Já temos todo nosso ingrediente certificado, sustentável, controlado e rastreado, o que nos dá segurança.

Hoje a gente olha para os nossos principais ingredientes, o açúcar, o cacau, o óleo de palma, a avelã de forma muito holística e estratégica para garantir que eles tenham benefício social e ambiental significativo. Buscamos não apenas liderar essa agenda, mas influenciar transformações reais nesses setores.

Como enxergam a questão dos alimentos doces em relação à saúde das pessoas?

A gente tem outro papel fundamental que é oferecer nossos produtos, que são doces, em porções pequenas e individualmente embaladas. Acreditamos que nossos produtos podem fazer parte de uma dieta equilibrada e saudável mesmo tendo alto conteúdo de açúcar, por serem doces. Por isso a gente oferece pequenas porções. É assim que a família que criou esta companhia pensa desde o início, e ainda hoje respeitamos essa visão.

Além disso a gente tem um projeto enorme em escolas, chamado Joy of Moving, que é baseado em ciência e busca resgatar a alegria das crianças em fazer atividade física. É um projeto lindo, que no Brasil existe em Poços de Caldas (MG) e será expandido para todo o Estado de Minas Gerais – e em breve para toda a América Latina.

“Queremos influenciar as crianças a serem mais ativas, porque crianças ativas viram adultos saudáveis. Infelizmente, parece que as novas gerações têm perdido o hábito e o prazer do movimento.”



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