Império dos baldinhos: como uma pequena empresa está convencendo cariocas a separar, guardar e reciclar lixo orgânico

Elisa Soupin | 28 fev 2022
Lucas Chiabi, fundador da Ciclo Orgânico. (Foto: Divulgação)
Elisa Soupin | 28 fev 2022

Um baldinho para mudar o mundo – ou pelo menos dar aquela força. Em meio às discussões sobre investimentos em logística reversa, economia circular e reciclagem, a empresa carioca Ciclo Orgânico inova ao estimular -e facilitar- a destinação correta para o lixo orgânico. Criada em 2015, ela oferece o serviço de coleta de lixo orgânico na casa das pessoas e transforma esse resíduo em adubo.

A ideia nasceu anos antes, quando Lucas Chiabi, mineiro de 30 anos que há 20 vive no Rio, ainda era um estudante de engenharia ambiental e começou a mexer com compostagem –processo que transforma resíduos orgânicos, como restos de alimentos, em uma terra muito fértil, perfeita para plantas.

Lucas, que é o fundador do Ciclo Orgânico, conta que até mesmo as pessoas próximas a ele não entendiam com o que ele trabalhava. “Um amigo do meu pai uma vez perguntou se ele já tinha comido a compostagem que eu fazia”, ri, lembrando.

“Durante a faculdade, eu me interessei muito por compostagem e agrofloresta, e tive um projeto em grupo em que montamos uma composteira. Então, nada mais coerente do que a gente começar a compostar os nossos próprios resíduos, né?”

Por conta do projeto, Lucas separou um balde em sua casa para colocar todo o lixo orgânico gerado por lá. Quando o balde estava cheio, lá ia ele levando os resíduos orgânicos para a composteira da faculdade, sem nem fazer ideia de que um dia esse recipiente se tornaria seu modelo de negócio.

“É muito fascinante como você transforma um resíduo que ninguém mais quer em um adubo tão rico. E a minha família toda começou a abraçar o baldinho, todo mundo passou a separar a comida e deixar ali. Mudou até a forma de me alimentar, eu queria comer mais fruta para encher logo o baldinho”, lembra.

Assim, Lucas foi se apaixonando pelo processo de compostagem, e, em 2015, sua namorada o inscreveu no programa Shell Iniciativa Jovem. Foi o ponto de partida para que o baldinho começasse a mudar a vida de Lucas – e de mais um monte de gente.

Durante esse processo, ele identificou uma oportunidade. Ao mesmo tempo em que muita gente deseja dar a destinação correta para seu lixo orgânico, ter uma composteira em um apartamento é um passo muito mais difícil de ser dado.

Funcionário recolhe os baldes de lixo orgânico de bicicleta pela cidade. (Foto: Divulgação)

“Eu via que existia um público. As pessoas queriam fazer compostagem, mas não queriam ter a composteira em casa, porque tem a questão de ter as minhocas e muita gente não quer esse trabalho”, conta ele.

Encher um baldinho de lixo orgânico e levar em algum lugar para compostar também era trabalhoso. “Então, tinha espaço e público para um serviço que fizesse isso, recolhesse de casa e levasse aquele lixo para reciclar”, disse ele. O Ciclo Orgânico ganhou, inclusive, o prêmio de inovação do Shell Iniciativa Jovem.

POR QUE SE PREOCUPAR COM O LIXO ORGÂNICO

Estima-se que o brasileiro produza, em média, cerca de 700 gramas de lixo por dia. Desse total, um pouco mais da metade corresponde ao lixo orgânico. Na maioria das cidades do país, tanto o orgânico como o inorgânico têm como destino os aterros sanitários. A matéria orgânica, porém, produz chorume durante sua decomposição, material que, além de contaminar lençóis freáticos, emite gases de efeito estufa.

O Ciclo Orgânico, ao tirá-lo dos aterros, ainda faz uso desse material rico em nutrientes para enriquecer e adubar a terra.

Na prática, funciona assim: o Ciclo Orgânico fornece um baldinho, que conta com uma boa vedação para evitar o mau cheiro. É preciso depositar ali todos os restos orgânicos, como frutas, legumes, casca de ovo, sachê de chá, pó de café etc. O recipiente permanece fechado até que seja retirado pela empresa, na periodicidade combinada. A cada retirada, a empresa deixa como recompensa sementes e uma terra adubada e cheirosa. Assim, o ciclo se fecha: o resíduo que sai da cozinha do cliente se transforma em um novo produto e volta para ele.

A operação começou tímida, modesta mesmo. Lucas trabalhava de dia e, à noite, usava sua bicicleta e fazia a coleta dos baldinhos de seus primeiros assinantes, em geral conhecidos e amigos. A compostagem acontecia no bicicletário do prédio de Lucas – o que não deixava os vizinhos exatamente felizes.

SÃO QUATRO MIL BALDINHOS POR MÊS

O negócio foi dando certo e crescendo. Os primeiros 15 clientes se transformaram em 100, que viraram centenas, e, prestes a completar 7 anos, o projeto atende atualmente 4 mil famílias, nas zonas Sul, Oeste e Norte do Rio de Janeiro, em um trabalho que envolve, ao todo, 35 pessoas.

Os planos oferecidos pelo Ciclo Orgânico levam em conta a quantidade de lixo gerado, o número de pessoas na casa e a periodicidade da coleta. As retiradas podem acontecer quinzenalmente para uma pessoa ou a cada semana para até quatro pessoas, e os valores pelo serviço variam de R$ 45 a R$ 85 por mês.

Sacos de adubo são o resultado do processo de compostagem da Ciclo Orgânico. (Foto: Divulgação)

A coleta é feita por bicicletas adaptadas para transportar as embalagens, reduzindo a emissão de CO2. Os baldinhos são levados para um dos oito pontos de coleta que a empresa tem na cidade.

Desde 2018, com a ajuda de um financiamento, o Ciclo Orgânico mantém um sítio em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com um espaço preparado para receber a compostagem. “Fizemos um concretado grande, montamos toda a infraestrutura, criamos tudo para funcionar lá”, conta Lucas, que recicla cerca de 40 toneladas de lixo orgânico por mês no espaço.

Diferentemente das composteiras tradicionais, carnes e alimentos cozidos também podem entrar no baldinho. Para evitar mau cheiro, o ideal é guardar esse tipo de resto no refrigerador e só colocar no baldinho na hora da coleta. Materiais como caixa de pizza -que em geral não pode ser reciclada por excesso de óleo- podem ser inseridas no balde. A empresa explica o que entra ou não em sua compostagem.

Em sete anos de operação, o mercado consumidor do Ciclo Orgânico amadureceu, avalia Lucas. “No começo, tinha gente que dizia ‘Ah, vocês que deviam pagar pra eu separar o lixo pra vocês levarem’. Hoje, é diferente”, diz ele.

“As pessoas têm mais consciência do impacto de seus resíduos, entendem melhor a importância da reciclagem. De baldinho em baldinho, a gente gera impacto.”



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