“Por muito tempo, a saúde emocional foi tratada como frescura ou algo para poucos. Essa cultura precisa mudar”

Bárbara Caldeira | 30 set 2022
Luiz Pires, diretor executivo do Instituto SulAmérica
Bárbara Caldeira | 30 set 2022

Na década de 1940, a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu “saúde” como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Responda com sinceridade: se alguém te perguntar, em 2022, como anda a sua, quanto tempo vai levar até você falar do aspecto mental e emocional?

Para aumentar o número de pessoas que sabem lidar bem com as próprias emoções, o Instituto SulAmérica foi criado. A organização social sem fins lucrativos, lançada oficialmente em abril deste ano, possibilita, especialmente às pessoas em situação de vulnerabilidade social, o acesso a informações e serviços da Saúde Integral, entendida como o equilíbrio entre as saúdes emocional, física e financeira.

“Das três, a emocional é a mais negligenciada. A física apresenta sintomas muito notórios. A financeira também é mais palpável, por mais que a gente pense nela a curto prazo. Mas a emocional é a base de tudo e sempre deixada de lado”, explica Luiz Pires, diretor executivo do instituto. Ele emenda:

“O conceito amplo de saúde tem mais de 75 anos, mas agora está sendo mais observado porque o sofrimento mental está incapacitando a nossa sociedade. Durante muito tempo a saúde emocional foi vista como ‘mimimi’, algo de pessoas fracas ou mal preparadas. Quebrar esse estigma é um dos nossos maiores desafios”

A incapacitação que Luiz menciona tem sido cada vez mais frequente. De acordo com o último levantamento global da OMS, o Brasil é líder mundial em casos de ansiedade tanto em números absolutos quanto percentuais, sendo também o 5º no ranking geral da depressão.

“A geração dos meus pais vivia casamentos infelizes, empregos infelizes. Vivia vidas infelizes porque alguém disse que era para ser assim. Hoje, ainda bem, isso mudou e segue mudando”, opina o executivo. “O que a gente está propondo é apoiar as pessoas nestas mudanças, que pedem mentes saudáveis e equilibradas”.

Desde o início das operações, o Instituto SulAmérica já desenvolveu ações diretas de impacto social em Petrópolis, Angra dos Reis e Paraty, cidades do Rio de Janeiro, além de Recife (PE). Em parceria com a Docway, plataforma de telemedicina, passou a oferecer atendimentos médicos e psicológicos online e gratuitos à população dessas regiões, que foram assoladas por fortes chuvas e deslizamentos no início do ano.

A iniciativa também oferece o mesmo atendimento para mais de 700 mulheres que se inscreveram na campanha “Saúde da Mulher, onde ela estiver”, além de um apoio para a Casa Miga, espaço de acolhimento a pessoas LGBTI+ em Manaus (AM). Ao todo, o Instituto já viabilizou para quem mais precisa mais de 9 mil teleconsultas com médicos e psicólogos até setembro.

SAÚDE EMOCIONAL E VULNERABILIDADE SOCIAL

O cenário de sofrimento é ainda mais grave quando envolve vulnerabilidade social. A taxa de ansiedade entre os moradores de comunidades no país, por exemplo, é de 36% entre os adultos, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva e Gerando Falcões.

“A partir do momento em que a gente trabalha a saúde emocional, cria um grupo de pessoas com mais autonomia, que conseguem viver melhor com as suas emoções e sentimentos sem desconsiderarmos, obviamente, outros aspectos estruturais”, defende.

O instituto começou a ser concebido há cerca de dois anos, no contexto da pandemia de covid-19, quando a SulAmérica percebeu que era hora de alavancar suas iniciativas de impacto social e se posicionar como agente de transformação do país a partir do eixo da saúde integral, especialmente do bem-estar emocional.

A proposta do Instituto SulAmérica é tão ousada quanto poderosa: impactar 150 mil pessoas em vulnerabilidade social no período de 5 anos. São quatro os focos estratégicos da organização:

  1. Reduzir o estigma e o preconceito em relação às questões de saúde emocional.
  2. Promover autoconhecimento, autocuidado e prevenção.
  3. Produzir e disseminar conhecimento científico sobre saúde emocional.
  4. Facilitar o acesso ao cuidado da saúde emocional, desde o diagnóstico até o tratamento para quem mais precisa.

A última das frentes envolve o acompanhamento médico e psicológico de pessoas em situação de vulnerabilidade por meio de consultas virtuais totalmente gratuitas pelo período de seis meses.

SAÚDE EMOCIONAL: UM DIREITO

“O acesso aos cuidados com a saúde emocional deve ser um direito de todas as pessoas, mas essa, infelizmente, não é a realidade”, pondera Luiz. Não apenas quem está mais vulnerável socialmente tem mais dificuldades para conseguir tratamento e acolhimento, como também esse grupo envolve pessoas que ouviram, a vida toda, que saúde mental não era para elas:


“Antes de colocar alguém sentado em uma consulta para iniciar um tratamento de saúde emocional, precisamos de uma bomba atômica para quebrar a carcaça que uma pessoa criou baseada em estigmas além do preconceito geral. Ela entende que esse cuidado não é para ela por vários motivos. A gente ouve falas como: ‘ Isso é coisa de rico e eu sou pobre. Isso é coisa de gente branca e eu sou preta’, por exemplo”


Para ele, isso se deve ao fato de que a questão da saúde emocional sempre foi muito associada a uma falta de capacidade individual de resolver os problemas, desconsiderando o que é estrutural.

Alguns grupos estão, desde sempre, expostos a mais fatores de adoecimento emocional, como as mulheres – principalmente por conta da sobrecarga e da violência de gênero – e pessoas negras – a OMS já constatou que jovens negros têm até 45% mais chances de desenvolver depressão, muito por conta do racismo, que adoece mentalmente desde a infância e constrói sentimentos de inadequação e baixa autoestima, por exemplo.

Além disso, as pessoas pobres enfrentam inimigos materiais da saúde emocional, como a falta de acesso a direitos básicos como moradia e educação, além da própria fome – 33 milhões de brasileiros estão nesta situação, segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.

Para o Instituto SulAmérica, é óbvio que essas pessoas têm muitas necessidades urgentes, mas reconhecer o direito à saúde emocional não as invalida.

PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL BEM LONGE DA POSITIVIDADE TÓXICA

“É só pensar positivo que tudo muda”. “O segredo é nunca focar no problema”. Você provavelmente já ouviu essas frases ou derivações, e elas definitivamente não ajudam a encarar a saúde emocional da maneira séria que ela merece.

“O que a gente mais quer é fugir desses gurus da internet que apontam soluções simplistas para questões mentais reais. Obviamente a determinação e a força de vontade são importantíssimas, mas nós sabemos o quanto a mudança é difícil” diz Luiz.

Para ele, a resposta que o instituto dá ao tratamento leviano da saúde emocional é a ciência:

“Tudo o que entregamos para a sociedade tem uma base científica por trás. Temos especialistas técnicos dentro do time, inclusive em psicologia, e estamos nos conectando com parceiros de excelência para construção dos projetos. E também acreditamos muito em ouvir as pessoas que queremos alcançar, pois, para serem efetivas e consistentes, nossas ações precisam ser cocriadas com as comunidades”

Ele lembra, ainda, que setembro é o mês de prevenção do suicídio e muitas empresas criam ações para a época, ao mesmo tempo em que veículos de comunicação e redes sociais também tratam do tema. Mas a preocupação deve ser perene.

“A promoção da saúde mental e emocional é diferente da prevenção, que é diferente do tratamento”, pondera. Ele explica que tratar é agir sobre um quadro de sofrimento muitas vezes agravado, enquanto prevenir é agir quando os sintomas começam a surgir.

“Trabalhamos em todas as frentes, mas com muita ênfase na promoção. A partir do momento em que eu sei quem sou e trabalho o autoconhecimento, consigo entender melhor as minhas emoções e posso cuidar do meu bem-estar. É disso que o Instituto SulAmérica está falando”.

LIDERANÇAS COMUNITÁRIAS: CUIDAR DE QUEM CUIDA

Andréa Regina, diretora executiva do Instituto Ame sua Mente, parceiro do Instituto SulAmérica

Ainda em 2022, o Instituto SulAmérica vai iniciar uma parceria com o Instituto Ame sua Mente, referência nacional no letramento mental dos educadores de escolas públicas.

O projeto em conjunto prevê a criação de uma metodologia que estenda o conhecimento para lideranças sociais – e que possa ser escalável para todas as comunidades vulneráveis brasileiras. “Parcerias assim ajudam a entender realidades que o instituto, sozinho, não conseguiria acessar. Criamos pontes”, comenta Luiz.

Andréa Regina, diretora executiva do Instituto Ame sua Mente, chama atenção para a facilidade com que as duas organizações alinharam seus propósitos:

“Temos uma causa comum, praticamente a mesma aspiração: o desejo de transformar a cultura de saúde mental no Brasil. Os estigmas fazem com que a busca por ajuda seja tardia, e isso tem um efeito significativo no agravamento dos transtornos ao longo do tempo. É o que queremos mudar”


Ela explica que os líderes comunitários podem ser grandes multiplicadores dos cuidados com a saúde mental quando são contemplados e têm suporte em suas próprias questões.

“Qualquer pessoa que está em papel de liderança faz esse ofício de cuidar”, defende a psicóloga Ana Carolina D´Agostini, consultora e coordenadora de formação em Saúde Mental do Ame sua Mente. “É o estar próximo, pensar em formas de desenvolvimento daquela comunidade, o desenvolvimento pessoal enxergando as especificidades, além de notar as dificuldades que muitas vezes aparecem de maneira implícita”, explica.

Ana Carolina D´Agostini, consultora e coordenadora de formação em Saúde Mental do Ame sua Mente

Ana Carolina relata que são os líderes comunitários que muitas vezes percebem até mesmo situações de abuso e violência dentro das comunidades e, quando amparados, têm mais facilidade para reconhecer o trauma derivado com o qual as vítimas lidam. “Não podemos dissociar corpo e mente, porque somos uma coisa só. Quando ampliamos a noção do que é saúde mental e olhamos para essa população, estamos fortalecendo essa rede de cuidado e acolhimento”, conclui.

#BemAmarelo

Que tal conferir como anda a sua saúde emocional? Você pode realizar um teste simples e rápido, com base científica, no site da organização. São 20 questões elaboradas pela OMS e, a partir do resultado, o instituto oferece conteúdos e serviços de apoio, como o acesso sem custos à plataforma de consultas virtuais a quem está em situação de vulnerabilidade social e a um curso rápido para formação de socorristas em saúde emocional, numa parceria com o Instituto Vita Alere, referência em prevenção e posvenção ao suicídio.

A iniciativa é parte do movimento #BemAmarelo, lançado pelo Instituto SulAmérica como mobilização pelo cuidado da saúde emocional e prevenção ao suicídio não apenas em setembro, mas durante todo o ano. Faça o teste clicando aqui.


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