“Não podemos esperar, não há mais tempo. Precisamos agir, o fogo não espera”, diz Rogério Cavalcante, da umgrauemeio

Renato Essenfelder | 1 nov 2021 Rogério Cavalcante
Rogério Cavalcante, da umgrauemeio: além de combater incêndio, ele sonha em adquirir terras para preservar
Renato Essenfelder | 1 nov 2021

Tudo começou com uma conversa casual a bordo de um avião. O ano era 2015, e o empresário e bacharel em direito Rogério Cavalcante ouvia com atenção um passageiro discorrer sobre os imensos prejuízos que usineiros de cana de açúcar e produtores de papel e celulose tinham com a ocorrência de incêndios florestais, ano após ano, no Brasil.

Intrigado, Cavalcante voltou para a casa e começou a pesquisar mais sobre o assunto. Descobriu, entre outras coisas, que o problema era não apenas recorrente, mas também crescente – o número de incêndios florestais vinha aumentando sistematicamente no país. Descobriu ainda que os prejuízos causados pelo fogo eram milionários – em alguns casos, levavam o produtor à falência. 

Cerca de um ano depois daquele encontro fortuito, Cavalcante decidiu vender as quatro empresas que administrava e investir todo o seu capital, cerca de R$ 3,5 milhões, em um negócio novo e ambicioso: uma startup de combate a incêndios.

Nascia ali a Sintecsys, hoje rebatizada para umgrauemeio – precisamente o limite de aquecimento que a Terra pode suportar antes de haver consequências catastróficas irreversíveis para o ambiente e a humanidade, segundo estimativa do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).

STARTUP NASCEU AO IDENTIFICAR OPORTUNIDADE DE NEGÓCIO

Cavalcante é um empreendedor serial. Desde os 13 anos, conta, queria ser dono do próprio negócio. Quando, no fim dos anos 1980, o pai chegou em casa com um computador IBM PC-XT, aquilo despertou algo no menino. Era mais do que um brinquedo para um adolescente ou uma curiosa máquina de calcular: era um novo universo de possibilidades.

“Eu fiquei encantado, achei que aquela máquina era o futuro. Mas também pensei: isso vai quebrar, e, se quebrar, alguém vai precisar consertar”, lembra o hoje empresário, que nos meses seguintes passou a frequentar cursos técnicos para aprender a consertar computadores.

Desde então, muita coisa aconteceu na vida desse paulista de 44 anos que desde criança vive em Jundiaí, no interior de São Paulo.

Antes de fundar o embrião da umgrauemeio, Cavalcante teve empresas de locação de empilhadeiras, de fabricação de máquinas de efeitos especiais para eventos (como canhões e bazucas de gás e máquinas profissionais de papel picado), uma consultoria especializada em licitações públicas, entre outras.

Sede da startup umgrauemeio, em Jundiaí, no interior de São Paulo

Tudo isso ficou para trás. Ao conversar com NetZero diretamente do seu hotel em Glasgow, na Escócia, ele se preparava para participar da cúpula mais importante do mundo sobre meio ambiente, a COP26 (26ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas) e demonstrou seu foco absoluto na questão ambiental.

TRÊS MINUTOS BASTAM PARA IDENTIFICAR FOCO DE INCÊNDIO

A umgrauemeio nasceu com a proposta de detectar incêndios florestais precocemente, de modo a reduzir os prejuízos que tanto impressionaram Cavalcante em 2015. Um sistema que combina o monitoramento por meio de câmeras 360º instaladas em torres, imagens de satélite e um algoritmo de inteligência artificial determina se há um foco de incêndio na área monitorada.

A análise acontece em tempo real: em apenas 3 minutos, diz Cavalcante, é possível detectar os sinais de um incêndio dentro de um raio de 15 quilômetros. Sem o sistema, segundo ele, a detecção pode levar até 48 horas.

A questão na velocidade de detecção e de acionamento das brigadas de combate ao fogo é crucial.

“Qualquer incêndio começa em um foco que pode ser apagado com o pé.”

Hoje, a empresa tem cerca de 20 clientes e monitora 7,7 milhões de hectares, que equivalem ao território de toda a Escócia. Desse montante, uma área equivalente à Bélgica, ou 3,5 milhões de hectares, é de mata nativa – ou seja, reservas ambientais dentro de propriedades privadas que a umgrauemeio monitora para evitar incêndios que gerem multas aos seus clientes. “Desde que começamos o monitoramento nenhum cliente nosso recebeu uma única multa por incêndio em reserva”, diz Cavalcante.

Além disso, completa, a redução de perdas com o fogo chegou a 90% entre os clientes da startup.

DO FOGO AO GÁS CARBÔNICO: UMA NOVA PERCEPÇÃO

A grande sacada de Cavalcante, contudo, aconteceu cerca de um ano após a fundação da Sintecsys. “O insight veio durante uma viagem minha à Amazônia, a convite de pesquisadores da Imaflora [Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola]. Eu queria ver ao vivo o que é um incêndio florestal e como é a operação de combate”, conta o empresário. E o que viu?

“Um incêndio em floresta é um inferno. É realmente a coisa mais próxima do inferno que eu já vi.”

Mas o insight a que Cavalcante se refere não dizia respeito à devastação causada pelo fogo, mas aos danos que iam além da destruição das árvores. Foi a primeira vez em que ele ouviu falar sobre um efeito secundário desastroso da queima: a colossal emissão de gás carbônico provocada pelos incêndios florestais. “Ali eu percebi que estávamos falando de algo mais importante do que apagar incêndios. Percebi que apagar incêndios era um meio para atingir um fim, e que esse fim era combater as emissões provenientes de incêndios.”

A partir desse momento, a empresa começou a repensar sua missão: combater incêndios continua sendo a rotina da umgrauemeio, mas ela se tornou efetivamente uma startup engajada na luta contra o aquecimento global.

Hoje, a umgrauemeio está comprometida com vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No sentido mais direto, alinha-se a “redução das emissões de CO2”, “proteção da biodiversidade”, “redução de doenças respiratórias” e “redução de perdas do patrimônio agrícola”.

Entre os indicadores indiretos de impacto, destaca “fomento à pesquisa científica”, “proteção de fontes de água na floresta”, “fomento à educação ambiental”, “apoio na produção agrícola sustentável” e “parceria com setores público e privado”.

OUSADIA NA COP26

Na COP26, o objetivo de Cavalcante é igualmente simples e ousado: obter uma espécie de aval da comunidade internacional para o seu modelo de negócio.

Diz querer trocar experiências, ouvir sugestões, criar ferramentas e demonstrar o potencial de escalonagem do seu trabalho. “Temos um sistema modular que é bem pé no chão. À medida que formos atingindo resultados, podemos pedir mais recursos.”

A umgrauemeio passou por uma seleção rigorosa para poder participar do evento mundial e se tornou uma das cinco startups brasileiras escolhidas para representar o Brasil no âmbito do programa The CivTech Alliance COP26 Scale-up, junto com Tesouro Verde ESG, Lemobs, Scipopulis e Eco Panplas.

A etapa nacional da seleção teve 26 startups inscritas, o que fez do Brasil o país com mais concorrentes para as 18 vagas disponíveis no programa.

A startup, aliás, já havia dado um passo adiante nos planos de captação de recursos em setembro, quando emitiu R$ 8 milhões em um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) “verde”, destinado a ampliar e aperfeiçoar os recursos de detecção de incêndio da startup. 

O GRANDE SONHO: TERRAS DEGRADADAS PARA REFLORESTAR

Cavalcante levou três cenários para a empresa na COP26. No primeiro cenário, que corresponde ao estágio atual da startup, a umgrauemeio oferece um sistema avançado e eficiente de detecção de incêndios, que, por sua vez, evita a degradação da floresta e a emissão de gases poluentes.

No segundo cenário, a startup não apenas detecta, mas ajuda a combater os focos. Isso também já acontece em alguma medida, por meio de algoritmos que alertam para o início do fogo e na sequência estimam o padrão de alastramento das chamas e os recursos necessários para dirimir os riscos. Mas pode melhorar.

A startup poderia, por exemplo, adquirir helicópteros específicos e exclusivos para combater incêndios – coisa que no Brasil, segundo Cavalcante, praticamente inexiste porque as aeronaves são compartilhadas com outros serviços e sujeitas a burocracias complexas para a liberação.

O terceiro cenário é o grande sonho de Cavalcante. Nele, a startup seria capaz de adquirir terras para a preservação, com o compromisso de vetar qualquer exploração predatória ou geradora de gases poluentes. A aquisição incluiria terras degradadas, para reflorestamento. “Queremos recuperar e impedir que a degradação volte a acontecer”, completa.

No fundo, a missão é agir onde o estado não consegue agir – por falta de interesse ou de recursos.

“Não estamos aqui para brigar, mas também não vamos esperar o Estado acordar e fazer alguma coisa. Não podemos esperar para tomar uma atitude, não há mais tempo. O fogo não espera.”



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