70 latinhas rendem até 8 reais: como Novelis usa tecnologia para monitorar catadores e ajudar o país a atingir 98,7% de reciclagem

Julia Moioli | 20 maio 2022
Alfredo Veiga, vice-presidente de suprimentos da Novelis. (Foto: Divulgação)
Julia Moioli | 20 maio 2022

A latinha de alumínio é um dos maiores cases brasileiros de sustentabilidade: no ano passado, 98,7% de todo seu volume consumido foi reciclado, de acordo com a Recicla Latas, entidade gestora ligada à Abralatas (Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio) para aperfeiçoar a logística reversa do produto. Em números absolutos, isso significa mais de 33 bilhões de unidades reutilizadas. O índice de reciclagem do país, aliás, se mantém acima de 95% há mais uma década, garantindo sua liderança mundial no setor.

Ao evitar que todo esse material seja jogado fora e desperdiçado, estima-se que 16 milhões de toneladas de gases de efeito estufa deixem de ser emitidas. Além disso, de acordo com um estudo de 2010 encomendando pelo Ministério do Meio Ambiente ao Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em comparação com a produção de alumínio primário, o processo de reciclagem do material libera apenas 5% das emissões de gás carbônico.

Outro benefício de peso dessa cadeia circular, que se fecha num período de 60 dias entre fabricação, comercialização, consumo e reciclagem, é o fato de que ela é responsável por gerar renda para 800 mil catadores no país.

No centro desse mercado, está a fabricante global de laminados de alumínio Novelis, que no ano passado foi a responsável por recuperar 21 bilhões de latas no Brasil, o equivalente a 64% do total reciclado nacionalmente. Segundo a empresa, o índice chamativo é fruto de investimentos de R$ 750 milhões em seu complexo de laminação e reciclagem, o maior da América Latina, localizado em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo.

“Nosso compromisso com a causa é muito forte e investimos para isso”, afirma Alfredo Veiga, vice-presidente de suprimentos da Novelis. “Não medimos esforços para capacitar nossos 14 centros de coleta, aumentar e melhorar a relação com fornecedor, trazer a sucata de volta e fazer a economia circular funcionar.”

Para entender a evolução do ciclo de vida do alumínio no país e como a experiência brasileira pode beneficiar os países vizinhos – a empresa se prepara para expandir seu modelo ao Chile, onde a taxa de reciclagem de latinhas gira em torno de apenas 30% –, NetZero conversou com Alfredo Veiga. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

NETZERO: Quais são os compromissos mundiais de sustentabilidade da Novelis e como a posição de líder de reciclagem de latinhas de alumínio no Brasil contribui com esses objetivos?

ALFREDO VEIGA: Temos uma meta mundial de redução de 30% na emissão de carbono até 2026. Cada região tem missões específicas para chegar no todo. No Brasil, o que move nosso ponteiro para conseguirmos atingir esse número é justamente aumentar o conteúdo reciclado dos nossos produtos. Isso faz a grande diferença, afinal, quanto mais reciclado incluímos, menos alumínio primário usamos.

E, por mais que a Novelis compre alumínio primário de fontes nacionais, que já têm baixo teor de emissão de CO2 em comparação com fontes internacionais, como a China, por exemplo, quando se usa sucata, esse índice é infinitamente menor. Nosso compromisso com a causa é muito forte e investimos para isso. Não medimos esforços para capacitar nossos 14 centros de coleta, aumentar e melhorar a relação com fornecedor, trazer a sucata de volta e fazer a economia circular funcionar.

Temos aumentado nossa capacidade de reciclagem em 100 mil toneladas ao ano em nosso complexo em Pindamonhangaba. Para se ter uma ideia, o investimento gera até um desafio: vendemos a lata, recuperamos a sucata e reciclamos, mas aumentamos tanto a reciclagem que nossa sucata não tem sido suficiente.

Como é possível aumentar esse volume de material reciclado?

Até três anos atrás, comprávamos 60% do mercado todo de sucata de lata. Agora estamos chegando a 67%. Conseguimos isso graças a investimentos, principalmente em novos centros de coleta. Um de nossos programas inclui um caminhão que chega diretamente no pequeno catador; outro envolve uma parceria para o processamento de outros tipos de sucata de alumínio, como a chaparia de partes de ônibus e outras estruturas metálicas, que incluem diferentes composições químicas. Passamos a agregar também esse material. Ele é encaminhado a um parceiro, que tem uma linha de produção específica para realizar seu processamento, limpeza e adequação química à nossa produção de lata. Com essas ações, já passamos a conseguir comprar mais.

Por que a reciclagem é um bom negócio para a empresa?

No ano passado, 77% do material produzido para latinhas incluiu reciclado. Queremos chegar a 80% ou mais até 2026. Gosto de dizer, antes de tudo, que esse é um bom negócio porque é um negócio democrático. Se compramos alumínio primário, será de um grande player. Mas, se compramos sucata, estamos beneficiando 800 mil famílias. Além disso, o alumínio primário é um produto caro e sua produção demanda muita energia. O reciclado é mais environmental friendly – vale reforçar que o alumínio é infinitamente reciclável sem perder suas propriedades – e isso é um diferencial competitivo para nossa empresa e para nossos clientes. Quem consome as latinhas hoje sabe que pode descartá-las em uma lata de lixo sem se preocupar, porque ela quase com certeza vai voltar para o processo todo.

Como é o relacionamento com os catadores? Como a Novelis lida com o S do ESG?

É fato que estamos falando de uma cadeia informal. O que procuramos fazer é dar suporte para que as cooperativas que trabalham conosco tenham mais estrutura, preparação e formalidade. Apoiamos essas organizações com planejamento financeiro e programas de segurança do trabalho, além de outras ações sociais, como hortas comunitárias.

Nosso destaque é um programa de engajamento e fidelidade com pequenos fornecedores na cidade de São Paulo, que já trabalhamos para expandir para outros centros do Estado. Oferecemos benefícios, como retirada direta do material, evitando custos de deslocamento, à medida que eles juntam pontos. Também oferecemos preço justo para que eles não precisem vender para atravessadores. Tudo isso é feito por meio de uma plataforma digital, em um chat bot do WhatsApp.

Usamos data analytics para entender e monitorar o comportamento desses catadores: que volume entregam, como fazem a limpeza etc. Essa digitalização mostra também a importância da tecnologia e da inovação no processo. No futuro, a ideia é que essas informações recolhidas nos ajudem a abrir um marketplace.

Tudo começa com o consumo do conteúdo das latinhas pelo público. Após o descarte, esse material é recolhido por pequenos sucateiros e levado a cooperativas ou recolhido e remunerado diretamente pela Novelis por meio de nossos programas. O valor depende do tamanho da lata, mas, em termos gerais,  70 latinhas rendem até 8 reais. Em seguida, chegam a nossos centros para serem limpas, prensadas e encaminhadas à fábrica, onde passam por outro processo mais robusto de limpeza e processamento, são fundidas em um forno, solidificadas e planadas. É nessa planta que está nossa tecnologia mais robusta. De lá, o produto já segue na forma de bobina de alumínio para a fabricação da lata e o recebimento da bebida no envasador.

Como funcionará o Centro de Soluções ao Cliente (CSC) em São José dos Campos (SP)?

A função dele é na outra ponta. Ele visa a desenvolver tecnologia de lata pro cliente, ou seja, trabalhar com design e geometria para atender necessidades específicas de quem vai usar a lata. Por exemplo, como guardar bebidas com mais gás, que demandam certo tipo de consistência, e estudar a melhor liga para cada produto.

A Novelis quer exportar esse modelo de economia circular para o Chile. Os dois países vivem momentos diferentes em relação à reciclagem de alumínio?

Estamos em fase de estudos econômicos para viabilizar a ideia, que é um teste de nosso conceito fora do Brasil. Acreditamos que vamos ter sucesso porque o impacto será  significativo para os dois países. Primeiro porque vai incentivar o aumento da taxa de coleta no Chile, que é de apenas 30% (e parte disso ainda é exportada, inclusive para o Brasil). Além dos ganhos para o meio ambiente, muitas pessoas poderiam estar se beneficiando da geração de renda.

O segundo motivo é que atualmente a Novelis do Brasil vende bobinas de alumínio com cerca de 80% de conteúdo reciclado para o Chile sem que essa sucata volte. O ciclo não é fechado e nós precisamos que isso aconteça. Aí entra nossa experiência não só da operação em si, mas do incentivo à cadeia. Já identificamos grupos e associações de catadores de materiais reciclados e queremos estreitar o relacionamento com eles e ajudá-los a se desenvolver.

Quando se está próximo, é possível entender quem está na base da cadeia. E desenvolver seu fornecedor, saber onde ele está, suas necessidades e como ajudá-lo a prover aquilo de que você precisa é a premissa de qualquer bom plano de desenvolvimento de suprimentos.



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