O que é letramento racial?

Tiago Jokura | 21 jul 2022
(Foto: Christina Wocintechchat/Unsplash)
Tiago Jokura | 21 jul 2022

Iniciemos com um comentário da socióloga Neide A. de Almeida sobre o letramento racial:

“Este conceito remete à racialização das relações, ou seja, o estabelecimento arbitrário de direitos e lugares hierarquicamente diferentes para brancos e não-brancos, que legitima uma pretensa supremacia do branco.”

Em gramática, o letramento é um estágio posterior à alfabetização. Depois de decodificar a linguagem a ponto de ler e escrever, o aprendiz está apto a compreender que ela é, ao mesmo tempo, produto e produtora da realidade.

Logo, o letramento racial é um conjunto de práticas que nos ensina a enxergar como as relações raciais modelam o mundo e como elas são modeladas por ele. Trata-se, portanto, de um elemento crucial para uma (re)educação antirracista. Essa prática passou a fazer parte dos programas de diversidade de grandes empresas, sobretudo para os alto executivos.

De onde vem o conceito?

O conceito de racial literacy foi criado pela socióloga americana France Winddance Twine em 2003 e a primeira tradução para o português é atribuída à psicóloga Lia Vaine Schucman.

De acordo com Lia, o letramento racial está relacionado com a necessidade de desconstruir formas de pensar e agir que foram naturalizadas. Para isso, ela propõe os seguintes passos:

Reconhecimento da branquitude

No Brasil, as pessoas brancas são beneficiadas pela falsa ideia de superioridade reforçada desde os tempos da colonização. Isso faz com que esse grupo ocupe posições privilegiadas, que facilitam o acesso a espaços de decisão.

Racismo não está no passado

Estatísticas e dados comprovam que a população preta é predominante nos índices de vulnerabilidade social. Políticas públicas e ações afirmativas são importantes para construir alternativas para esse cenário de desigualdades.

Racismo é aprendido 

Uma criança não nasce dominando uma linguagem, ela passa por um processo de alfabetização e de letramento para assimilá-la. O mesmo acontece com o racismo, que é reforçado por meio de códigos e relações aprendidas ao longo da vida. 

Vocabulário racial

Expressões como “inveja branca” e “a coisa tá preta” são estereótipos associados a pessoas brancas e pretas que perpetuam discursos racistas. A primeira é associada à bondade e a segunda tem conotação negativa. Ao substituí-las por sinônimos, o vocabulário rompe o ciclo.

Interpretação de códigos racistas 

Uma vez desconstruído o mito da democracia racial, interpretar códigos racistas em diversos contextos fica mais fácil. Dessa forma, pessoas pretas e brancas serão capazes de pensar soluções que contemplem as necessidades de todos os cidadãos. 

Educação antirracista

Como mencionamos anteriormente, o letramento é uma ferramenta para a educação antirracista. Neide A. de Almeida faz algumas sugestões e questionamentos úteis para tirar essa ideia do papel nas instituições de ensino: 

1. É fundamental que as escolas se comprometam com as leis n° 10.639/03 e a 11.645/08, abordando a história e as culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas de forma orgânica e sistemática – para além de datas comemorativas – em todas as esferas da vida escolar; 

2. Os currículos precisam ser discutidos e atualizados para colocar perspectivas pretas em evidência. É preciso incluir autores que representam a perspectiva africana e afro-brasileira em diferentes áreas de conhecimento. Também é urgente ler sobre distribuição de renda, escolaridade e moradia da população preta. Perceber que identidades raciais são construídas e conhecer a História são ações fundamentais para enfrentar o racismo e o preconceito; 

3. Como professores e gestores lidam com manifestações racistas no espaço escolar? Elas são explicitadas? Discutidas? A escola investe na formação dos docentes para abordar relações étnico-raciais? Pesquisas e estudos sobre essa temática precisam ser referenciais para toda ação docente; 

4 . Cabe à escola apresentar aos estudantes a diversidade não apenas de textos, de temas, mas também de concepções de mundo, de modos de fazer e de dizer. Assim, é fundamental que as escolas incluam autores e intelectuais pretos em suas bibliotecas e atividades de sala de aula. Qual o lugar destinado às práticas de oralidade, tão importantes para os povos africanos e para nós, brasileiros?



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