Depois do hype, ESG se tornará mais objetivo nos próximos anos, diz Rodrigo Brito, gerente de Sustentabilidade da Coca-Cola

Renato Essenfelder | 14 abr 2022
Rodrigo Brito, gerente de Sustentabilidade da Coca-Cola. (Foto: Divulgação)
Renato Essenfelder | 14 abr 2022

Quando começou a enveredar para ações de sustentabilidade em ONGs, as reações na família de Rodrigo Brito não foram as melhores. À época, no início dos anos 2000, seus colegas do curso de Administração da Universidade Federal do Paraná engatavam carreiras mais tradicionais – e bem pagas.

Vinte anos depois, e instalado em uma das maiores empresas do mundo, parece que tudo mudou na vida desse curitibano de 40 anos de idade. Mas não é bem assim. Apesar do cargo executivo, como gerente de Sustentabilidade Cone Sul da Coca-Cola América Latina, Brito continua a se dedicar a causas que desde cedo lhe pareciam significativas, como a de preservação e acesso à água.

Depois de cofundar a ONG Aliança Empreendedora, ainda em operação, e de uma passagem importante pela Fundação WTT (World-Transforming Technologies), onde se tornou especialista em tecnologias de tratamento de água, Brito chegou ao Instituto Coca-Cola em tempo de ajudar a desenhar o programa Água+ Acesso, lançado em 2017 para promover a construção, reforma e expansão de redes de abastecimento e sistemas comunitários de tratamento de água em comunidades rurais e isoladas do país.

Hoje trabalhando diretamente na Coca, Brito viu o programa crescer a ponto de já ter impactado mais de 130 mil pessoas em oito estados. Agora, além de trabalhar com o tema da água, também supervisiona outras ações ligadas à sustentabilidade e à promoção da economia circular, como reciclagem, tratamento de efluentes, apoio a empreendedores e comunidades carentes, transparência e governança corporativa.

Justamente nesse último aspecto, o da governança, Brito afirma que vê espaço para uma nova revolução nos próximos anos. Segundo ele, o ESG atravessa uma fase de muito “hype”, que tem aspectos positivos e negativos. Uma das consequências disso, prevê, é que o segmento deve se tornar mais objetivo e mais mensurável. “A área ainda é considerada subjetiva, mas a verdade é que em todas as dimensões do ESG já conseguimos ter indicadores mensuráveis”, diz, e aponta como tendência a criação de uma espécie de “fact check” para ações ESG nos próximos anos, para separar as empresas sérias das que só “fazem oba-oba”.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista que Brito concedeu a NetZero.

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NETZERO: Como surgiu o tema da sustentabilidade na sua vida?

RODRIGO BRITO: Meu interesse por ESG, sustentabilidade e impacto social está relacionado à minha história pessoal. Minha mãe era professora de escola pública na CIC [Cidade Industrial de Curitiba, bairro pobre da capital paranaense] e meu pai veio do interior do Rio Grande do Norte.

Eu visitava a cada dois anos a minha família no Nordeste e lá eu via a questão da falta d’água, da seca no sertão, e como isso afetava a todos. Lembro de um tio meu que, quando veio nos visitar em Curitiba, chorou vendo a chuva. Nunca tinha visto aquilo. 

Você fundou a ONG Aliança Empreendedora em 2005 e esteve no comando até 2012. Por que você decidiu criá-la?

Durante a faculdade, participei da empresa júnior, que era um núcleo de consultoria a micro e pequenas empresas. Essa experiência me fez decidir que não queria buscar emprego, mas apoiar empreendedores. Estamos falando de uma época em que não havia essa discussão, não havia microcrédito, o Yunus [Muhammad Yunus, que ganhou o Nobel da Paz de 2006 por suas iniciativas de microcrédito] não era tão conhecido. Mas era também a época do boom do Instituto Ethos [fundado em 1998]. Tinha um contexto de empreendedorismo social nascendo.  

A gente começou em um café. Quando falei para a família que ia apoiar pequenos empreendedores em favelas, em comunidades, e montar uma ONG, foi bem chocante. Saí da Aliança quando ela já estava com 110 funcionários CLT, apoiando mais de 80 mil microempreendedores.

Era hora de mudar de área?

Quando vi que havia chegado a um platô de aprendizado, comecei a refletir sobre os próximos passos. Tive um convite do Maneto [Valdemar de Oliveira Neto], um dos fundadores do Ethos, que estava criando com o Guilherme Leal, da Natura, a Fundação WTT (World-Transforming Technologies). Nessa nova organização, criada do zero, o objetivo era apoiar tecnologias com alto potencial de impacto socioambiental.

O que te interessou no convite?

Eu queria trabalhar com empreendedorismo baseado em ciência, com inovações que não são só digitais, mas são soluções concretas de biodiversidade, preservação de água, como manter a floresta em pé. Na WTT, a gente apoiava pesquisas e tecnologias da Alemanha, do Chile, dos Estados Unidos e do Brasil. Pude conhecer a fundo o quão carente é o ecossistema de apoio à inovação científica não digital. O Brasil tem poucas oportunidades de apoio à inovação em alimentos, energia, biotecnologia, saúde.

Fiquei de 2014 a 2017 na WTT, e ali aconteceu algo crucial para a minha entrada na Coca-Cola: fiquei responsável por tirar da bancada e levar ao mercado a tecnologia que usava plasma para tratamento de água, que era 100% eficiente para eliminar matéria orgânica.

Como esse trabalho te levou à Coca-Cola?

Na época, pensei: para vender essa tecnologia eu preciso conhecê-la bem. O resumo da história foi que eu conheci, estudei e comparei mais de 150 tecnologias de tratamento de água. Conheci tecnologias portáteis, familiares, comunitárias, individuais. Desde mochilas que tratam a água do usuário até grandes sistemas dessalinizadores.

Em termos de água, tudo parece solução mágica. Mas eu precisava de critérios básicos para analisar as tecnologias. Produzi para a WTT um ranking desses métodos a partir de critérios como eficiência, custo por litro, facilidade de manutenção, volume tratado, energia consumida, e por aí vai. Fazendo esse ranking, conheci as top 10 tecnologias e a partir daí contatei empresas e fundações para o financiamento.

Foi então que cheguei para a Coca-Cola, apresentei o projeto e apontei as cinco soluções em que a gente mais apostava. Por coincidência, a empresa estava desenhando uma estratégia grande de água. Ela já tinha um histórico nessa área, muito anterior ao hype do ESG, e desde 2007 tinha estabelecido o compromisso de devolver o equivalente a toda a água usada em fábricas [por meio de programas de conservação ambiental, reflorestamento e acesso a água] até 2020. A meta foi batida em 2015.

Então, veio o convite. Eu comecei no Instituto Coca-Cola, trazendo comigo a WTT, e desenhamos o programa Água+ Acesso para ser lançado em 2017. O programa hoje está na Coca-Cola, que assumiu um compromisso de três pilares nessa questão: eficiência hídrica, conservação e reflorestamento e acesso à água.

Então a questão hídrica se tornou central no seu trabalho com sustentabilidade.

O ciclo da água é diferente do ciclo do carbono. No caso do carbono, quanto mais a gente emite, mais efeito estufa produziremos, até que o mundo acabe e só sobrem os robôs.

Em relação à água, nós temos o mesmo volume há milhões de anos. O problema é onde ela está. Precisamos que ela esteja preservada e retida nas áreas onde está a população. Não adianta ter toda a água retida no Ártico, por exemplo. O esforço coletivo é preservar a água onde vamos precisar dela.

Como eu faço isso? Ou trato a água hoje indisponível ou imprópria ou tenho áreas verdes preservadas, que vão permitir que a chuva aconteça e que a água volte às bacias hidrográficas. Existem cálculos para isso.

E como preservar a água onde ela é mais necessária?

Em 2020 mudamos nossa meta, que antes era nacional. Agora, a meta não é mais devolver a água consumida pelas fábricas em qualquer lugar do país, mas sim em bacias prioritárias. Temos 64 fabricas no Cone Sul, só no Brasil são 36 plantas em 23 Estados, e agora tenho que devolver água em todas as regiões. Não adianta devolver tudo na Amazônia ou em São Paulo.

Até 2030, teremos a reposição bacia por bacia. Essa não é uma meta pop, fácil de entender e de vender, mas tecnicamente é a coisa mais correta a se fazer.

Como foi chegar à Coca-Cola para trabalhar com sustentabilidade depois de passar anos em institutos?

A primeira coisa que eu lembro é que levei mais de um ano para aprender a usar ramal. Quando tinha problemas e alguém dizia “liga para a tecnologia”, eu discava e atendia alguém na Índia [risos]. Foi um choque cultural.

Fora isso, tanto no Instituto quanto na Coca, onde estou desde 2019, consigo influenciar fabricantes, áreas e marcas para fazer coisas muito grandes. Independentemente de o CNPJ ser de uma ONG ou de uma empresa, no fim estamos falando de pessoas. Pessoas vibram, sentem, se apaixonam, têm orgulho do que fazem. É muito satisfatório conseguir avançar, aumentar a coleta e a reciclagem de embalagens, aumentar o volume de garrafas retornáveis, atingir mais bacias.

O que mudou no cenário desde que você passou a trabalhar com sustentabilidade?

Acho que avançamos muito, mas isso também traz um preço. No passado era um nicho, hoje a sustentabilidade é transversal –ainda que isso não seja realidade em todas as empresas. Mas hoje, por exemplo, não existe na Coca discussão sobre fazer uma garrafa dourada ou azul, porque a gente sabe que qualquer garrafa que não seja transparente ou verde será menos reciclada.

Muita coisa avançou. ESG teve um avanço conceitual por causa do G de governança, e acho que esse é o tema que mais precisa avançar. Há muitos casos de trabalho social e ambiental com pouca governança.

ESG virou um hype, e isso é bom. Virou tema de stakeholders, impacta preço de ações, impacta os bônus dos executivos. Mas para muita gente ainda é só uma moda. Muita gente tem boa intenção, mas não tem bagagem, acha que ESG é fazer uma ação aqui e ali, é pintar muro de creche. Vi empresas que faturam bilhões investirem R$ 300 mil em um projeto qualquer e achar que é muito. Há empresas que gastam mais na comunicação do que na ação. Esse é o preço do hype.

Mas você vê um amadurecimento em relação à forma como a agenda ESG está sendo adotada nas empresas?

Sim, e acho que o próximo passo é ter um fact-check do ESG: se houve um compromisso, mostre o resultado.

A maturidade que vier depois do hype vai ser um avanço. Acho que ainda vamos ver escândalos de ações que são mais alardeadas do que cumpridas, e no futuro teremos mais governança, mais transparência e acompanhamento.

Claro que o avanço não é linear, a gente avança dois passos e volta um, mas no geral estamos caminhando. Se olharmos 30, 40 anos atrás, era OK uma empresa não tratar efluentes. E quem pagava esse custo? Todo mundo. Hoje não se emite licença de operação se a fábrica não tiver tratamento de efluentes.

Que tendências você enxerga para ESG no futuro?

Uma delas é que ESG é sobre colaboração, é pré-competitivo. Estamos trabalhando até com concorrentes nossos. Teremos cada vez mais ações em coalizão. Não dá para a Coca, a AmBev ou a PepsiCo sozinhas protegerem e recuperarem bacias hidrográficas. Precisamos da ação de empresas e de governos, são desafios enormes.

Outra questão é que ESG avança para a objetividade. Assim como temos indicadores, mensuração e objetividade em vendas, teremos em ESG. Essa é uma área ainda considerada subjetiva, mas a verdade é que em todas as dimensões do ESG já conseguimos ter indicadores mensuráveis.

Você falou sobre a seca no sertão nordestino na sua infância e hoje você trabalha com preservação de água. Chegar aqui foi uma coincidência?

Não acho que seja coincidência, há uma relação. Visitei comunidades muito precárias pelo país. Em uma escola do Amazonas, o banheiro era um buraco no chão; em outro local, vi a reação de quem pela primeira vez recebe água encanada em casa. É emocionante. É satisfatório poder trabalhar para que isso aconteça.



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