Startup preocupada com ESG? Plataforma de investimento diz que sustentabilidade já é critério para definir aportes financeiros

Renato Essenfelder | 26 jan 2022
Equipe da plataforma de investimento em startups Captable. (Foto: Divulgação)
Renato Essenfelder | 26 jan 2022

O ano passado foi recorde em termos de investimentos privados em startups no Brasil, segundo levantamento realizado pela plataforma CapTable. E a margem em relação a 2020 não foi pequena: o país saiu em 2020 de um total de R$ 38,3 milhões em aportes coletivos via plataforma para mais de R$ 124,4 milhões destinados a empresas de tecnologia por meio de intermediárias como a própria CapTable e outras nove concorrentes analisadas: Beegin.invest, Clearbook, Cluster 21, Efund Investimentos, EqSeed, Kria, Organismo Brasil, SMU e Whishe.

Essas empresas facilitam o acesso de pequenos investidores, que muitas vezes dispõem de quantias mínimas de R$ 500 a R$ 1.000, ao mercado emergente das startups e suas promessas – arriscadas – de alto retorno.

No fim do dia, todos tentam acertar quem será o próximo “unicórnio” do mercado – empresas com avaliação de mercado superior a US$ 1 bilhão, como as brasileiras Loggi, Nubank e 99– e multiplicar o capital investido por centenas, até milhares de vezes.

A 99, por exemplo, considerada o primeiro unicórnio brasileiro, foi fundada em 2012 com apenas R$ 150 mil e, seis anos depois, foi vendida por estimados US$ 1 bilhão – ao câmbio atual, cerca de R$ 5,4 bilhões.

A pandemia de coronavírus influenciou o aumento nos investimentos em startups, indica Guilherme Enck, cofundador da CapTable.

“Com a pandemia, praticamente todo o comportamento humano migrou para o digital: o entretenimento ficou digital, passamos a usar mais aplicativos para pedir comida em casa, o trabalho ficou remoto. Isso também despertou mais atenção para esse universo das empresas de tecnologia”

Em paralelo, completa, o fato de a taxa Selic estar em mínimas históricas na época incentivou investidores a buscarem alternativas mais rentáveis do que a renda fixa. Ganhar dinheiro em 2021 exigiu mais apetite ao risco.

ESG COMO CRITÉRIO PARA AVALIAÇÃO DE INVESTIMENTO

Mas quais são os critérios que os investidores usam para fazer suas apostas? Pesquisa da própria CapTable com 333 investidores mostrou que, para analisar o potencial de rentabilidade de uma startup, os donos do dinheiro avaliam primeiro se o “modelo de negócio é eficaz” (88%), depois olham para a “escalabilidade” (76%) e em terceiro lugar analisam se o “time de empreendedores é eficiente” (61%).

Em quarto lugar, uma surpresa. Se a prioridade óbvia é lucrar, parece que esse critério cada vez mais precisa estar associado a um outro pré-requisito: o impacto social da iniciativa é fator de decisão para quase metade (41%) dos investidores. “Temos dois pilares: por um lado, selecionar muito bem os negócios que vão fazer parte do nosso catálogo; por outro, entender as teses dos investidores, suas demandas, do que eles gostam”, conta Enck.

“O que temos visto é que essas empresas de mentalidade mais moderna, já mais orientadas para um mundo em que o ganho financeiro não é só o que importa, que têm um propósito claro, são mais atraentes.”

A CapTable atua desde 2019 no chamado “vale da morte” das startups: o período entre o financiamento relativamente baixo que os empreendedores conseguem em aceleradoras e os polpudos cheques de milhões de dólares que o chamado Venture Capital, os fundos de capital de risco, dedicam às suas apostas. É justamente nesse “gap”, em que os cheques são na faixa de dois a três milhões de reais, que muitas empresas desidratam.

Segundo Enck, três macrocritérios são analisados antes de inserir uma empresa no portfólio da CapTable. O primeiro deles é o próprio estágio da empresa: ela já precisa ter ultrapassado o chamado MVP (Mínimo Produto Viável), que é uma fase de protótipo, e ter um histórico real de faturamento. “Ela precisa do capital para escalar os negócios e crescer, mas esse negócio já existe”, resume.

O segundo critério é se a operação é escalável, um dos grandes fatores de diferenciação entre startups e outros negócios, e intensivo em tecnologia – que tem que ser aplicada para resolver problemas do mundo real.

Por último, é feita uma análise do perfil dos empreendedores responsáveis pelo negócio. “A gente costuma dizer que apostamos mais no jóquei do que no cavalo”, brinca Enck. Ou seja: a figura do empreendedor é “mais importante do que os processos, a estrutura da empresa, o produto”. “A gente precisa ver que ele tem capacidade de testar, mudar, refazer, até dar certo”, pondera o cofundador da CapTable.

Do outro lado do balcão, no que diz respeito ao relacionamento com os clientes investidores, Enck diz que a CapTable busca fazer um trabalho de capacitação para que façam análises melhores, mais consistentes. “Nosso papel é ir ao mercado e selecionar as melhores startups, que tenham qualidade e potencial de crescimento, mas também educar os clientes. Para a pessoa física, o investimento em startup é uma novidade”, completa.

A plataforma já promoveu rodadas de investimento para 49 empresas, atraindo o interesse de 5.500 clientes. As empresas ficam até 30 dias na vitrine, ou o tempo necessário para atingir a meta de arrecadação estabelecida – o que pode levar poucas horas.

Os segmentos que mais aparecem por lá são o financeiro, o agronegócio e o varejo, mas há bastante pulverização de setores econômicos, de modo geral. 

RETORNO FINANCEIRO E IMPACTO SOCIAL

Entre as startups apoiadas pela CapTable e que aliam promessas de rentabilidade com impacto social, Enck cita alguns exemplos. Um deles é a alagoana Beeva, que processa e comercializa mel e derivados de apicultura produzidos na caatinga, o bioma com o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil.

Aliando tecnologia para mapear a caatinga, treinar produtores locais, aumentar a produtividade dos apiários e industrializar os derivados, e impacto social, para gerar renda àquelas famílias, a Beeva arrecadou cerca de R$ 4,5 milhões pela plataforma, a partir dos aportes de 333 investidores.

Outro exemplo na ponta da língua do executivo é a cleantech Trashin – startup gaúcha que promete transformar lixo em dinheiro. Em duas rodadas de investimento, a empresa de gestão de resíduos e logística reversa arrecadou pouco mais de R$ 2 milhões e conseguiu assim dar escala à sua operação.

Atuando no mercado do desperdício, estimado em mais de R$ 8 bilhões anuais somente no Brasil, a Trashin usa tecnologia para conectar geradores de resíduos, cooperativas de reciclagem e a indústria de beneficiamento e transformação, remunerando todos os envolvidos na cadeia, inclusive o gerador dos resíduos.

Segundo o cofundador da CapTable, esse é o maior case da Plataforma em termos de crescimento: a receita da Trashin cresceu 23 vezes desde o primeiro aporte, e ela já conquistou clientes de grande porte, como Havaianas, Natura e Unilever, entre outros.

É um bom exemplo de empresa de mentalidade moderna, no entender de Enck: “Além do retorno financeiro, ela traz um retorno ambiental, ao melhorar o aproveitamento dos resíduos, e promove um impacto social importante, pois gera oportunidades para pessoas de baixa renda e desenvolve centros de triagem”.

A preocupação dos investidores com a agenda ESG das startups não é apenas um modismo, na opinião de Enck. Segundo ele, “é claro que as pessoas querem ganhar dinheiro, mas elas também gostam de se sentir parte de uma mudança, de poder contribuir para a sociedade”, pondera.

“Não vejo isso como um voo de galinha, mas sim como uma mudança permanente. Os nossos investidores estão cada vez mais aderentes a essa agenda e isso veio para ficar. Acho que é uma evolução da economia de mercado.”



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