“É preciso dosar o ativismo”: com 20 anos de experiência em sustentabilidade, Tomás Carmona ensina a equilibrar ESG e negócio

Renato Essenfelder | 7 abr 2022
Tomas Carmona, superintendente de Sustentabilidade da SulAmérica. (Foto: Divulgação)
Renato Essenfelder | 7 abr 2022

De ajudante de entregador de tortas de maçã feitas por sua mãe a superintendente de Sustentabilidade da SulAmérica, a trajetória de Tomás Carmona, 47, é bastante diversificada. Formado em administração de empresas pela PUC-SP, o executivo pertence a uma das primeiras gerações a construir carreira na área de responsabilidade social corporativa no Brasil, no fim dos anos 1990, e já atuou no primeiro, no segundo e no terceiro setores, o que lhe deu uma visão panorâmica das facilidades e das dificuldades de promover a agenda ESG em cada uma dessas esferas.

Depois de uma atuação importante na ONG Ação Educativa e de prestar consultoria à FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) em projeto com a Prefeitura de São Paulo, Carmona diz que se encontrou no setor empresarial, onde acredita que consegue empregar melhor sua capacidade de diálogo e de traduzir as questões de sustentabilidade para a linguagem corporativa. Ao todo, soma quase 20 anos de passagem por Serasa, primeira grande empresa em que trabalhou, e SulAmérica, onde está hoje à frente de causas como diversidade e inclusão, educação financeira e a nova prioridade do recém-anunciado Instituto SulAmérica, que dirigirá: a saúde emocional.

Carmona concedeu esta entrevista a NetZero de sua casa em Florianópolis, para onde se mudou após uma luta contra o câncer de pele que o fez repensar a vida em São Paulo – e reavivou o velho sonho de viver próximo ao mar e com mais qualidade de vida.

Surfista, casado, pai de dois filhos adolescentes, Carmona acompanhou com entusiasmo o crescimento da agenda ESG entre as empresas brasileiras nas últimas décadas e constata que a velha fama de “bicho grilo”, “abraçador de árvore”, que os executivos da área tinham nos anos 2000 já não é (tão) dominante.

As causas ambientais e sociais, além de urgentes no mundo atual, também conferem um significado maior ao trabalho, diz, e isso já é percebido nas empresas – em especial as grandes companhias de capital aberto, que são mais cobradas por investidores e sociedade.

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NETZERO: Você escolheu cursar administração na graduação. O que o levou para essa área?

TOMÁS CARMONA: Meu pai trabalhava na Escola de Administração de Empresas de São Paulo [FGV-EAESP] e minha mãe sempre foi empreendedora de alguns pequenos negócios. Eu tive meu pai como referência para essa questão de administração, além de muitas outras qualidades pessoais e profissionais – sempre tive admiração por ele. E, quando tive de tomar essa decisão sobre onde estudar, estava trabalhando em uma empresa da minha mãe, que vendia tortas de maçã para restaurantes alemães em São Paulo, durante a época do governo Collor.

Qual era o seu trabalho lá?

É uma história engraçada. Um dia a gente foi em um restaurante alemão e minha mãe comentou com o pessoal de lá que ela tinha uma receita de família de “apfelstrudel” [torta folhada de maçã típica da Alemanha e da Áustria] que era muito melhor do que a do restaurante. Foi assim que o negócio começou, vendendo para alguns restaurantes típicos, e depois foi crescendo.

Eu comecei lá com 16 anos e era ajudante de entregador. Quando tirei carta de habilitação, virei o entregador e também o comprador de matéria-prima. Naquela altura eu já olhava para a empresa e pensava que cursar administração [na faculdade] seria um bom caminho, tendo também a referência do meu pai.

Ao longo da faculdade toquei o negócio com a minha mãe. Depois a gente comprou uma empresa de pães de batata e chegamos a vender 30 mil pães de batata por mês. O trabalho de conclusão do meu curso de administração foi um plano para massificar aquele negócio, para expandir, vender mais. Mas minha mãe não topou, ela preferia manter a empresa pequena.

E como você foi parar no terceiro setor e na área de sustentabilidade?

Nessa época, eu saí da empresa da minha mãe. Tinha que construir uma carreira. Eu já tinha uma ligação muito forte com a EAESP por causa do meu pai e ele me indicou um centro de estudos de terceiro setor lá na faculdade. Era uma oportunidade, porque as ONGs eram muito boas para defender causas, mas tinham um gap enorme de gestão. O coordenador do centro achou meu perfil interessante, pela experiência e formação em gestão, e eu fui.

Depois disso, a ONG Ação Educativa me contratou para a área administrativa. Um dos sócios cuidava da gestão deles, mas dizia que não entendia daquilo e não queria fazer, então eu fui para lá tocar essa parte administrativa. Para mim, esse foi um grande resgate da ação social.

Como assim?

Eu vi ali um impacto social direto acontecendo, porque a ONG estava trabalhando com educação de moradores de rua adultos de São Paulo. Eles vinham ter aulas pela noite e eu via as coisas acontecendo. Isso resgatou meu período de colégio, quando eu estudava no Santa Cruz e fazia trabalho voluntário na favela do Jaguaré (zona oeste de São Paulo). Foi uma revelação, pensar essa coisa do trabalho social agora atrelado a uma atividade profissional. Achei que era um caminho interessante.

Depois dessa revelação, quais foram os próximos passos?

Entrei na Ação Educativa em 2000 e saí em 2001, e então fui passar um período na Austrália. Voltei e fiz vários trabalhos diferentes, uns trabalhos estranhos [risos]. Fui gerente de loja de surfe, fiz pesquisa…

Então, depois dessas experiências paralelas você voltou a trabalhar no terceiro setor?

A Ação Educativa me indicou para um projeto da ONU em parceria com a Prefeitura de São Paulo, em 2003. Era um projeto baseado no conceito de economia solidária e eles precisavam de alguém para administrar contratos, porque duas agências da ONU, a FAO e a Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] repassavam recursos para ONGs que iam fazer trabalho com pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Eu tinha que contratar as ONGs que iam fazer a capacitação dessas pessoas, para que gerassem renda em negócios pequenos, já com o conceito de economia solidária sendo aplicado, já trazendo ideias de cooperativismo, organização em rede, microcrédito. Quando vieram as eleições e mudou a gestão da prefeitura, o projeto morreu.

Foi quando você viu o setor empresarial como uma opção?

Nessa época, começo dos anos 2000, o movimento de responsabilidade social empresarial estava começando. Havia poucas empresas fortes nessa área, como o Banco Real e a Natura.

Uma empresa que estava se estruturando nesse sentido era a Serasa. Ela estava buscando uma pessoa com formação em gestão e experiência, mas também com esse lado voltado à área social. Fui chamado para criar a área de responsabilidade social, que inicialmente incluía um programa de inclusão de pessoas com deficiência, um projeto de voluntariado e o relatório anual de responsabilidade social.

Entrei para cuidar de tudo isso e aos poucos se transformou em uma área de sustentabilidade. Ali eu lidei com vários temas – voluntariado, diversidade e inclusão, educação financeira – e fiquei por 11 anos e meio na empresa.

Você teve experiência no primeiro setor, com a prefeitura de São Paulo; no segundo, na Serasa, e, agora, na SulAmérica; e no terceiro, na Ação Educativa e em organismos multilaterais ligados à ONU. O que aprendeu sobre cada um deles?

O terceiro setor tem o propósito à frente de tudo, e isso é muito forte, mobiliza as pessoas. O que ele tem de dificuldade é a questão financeira, a capacidade de atuar em questões grandes. É um desafio gigantesco. Os recursos, por maiores que sejam, não são nunca suficientes.

Quando a gente olha para organismos multilaterais, como na ONU, tem uma questão de gestão que é um desafio. São organizações muito grandes, muito diversas, e a gestão dentro do sistema é complexa.

No segundo setor você tem mais recursos – não que sejam infinitos, muito pelo contrário, mas tem mais capacidade e mais influência na cadeia de valor. Passei por duas grandes empresas que têm uma voz forte no mercado, uma influência grande junto a clientes, prestadores, fornecedores.

Passei a enxergar o segundo setor como gerador de alto impacto, capaz de transformações grandes. Mas por outro lado neles é preciso um esforço maior para trazer o propósito para o dia a dia do negócio, que sempre é muito voltado ao curto prazo, ao financeiro. Você vai aprendendo a lidar com isso com o tempo.

No primeiro setor, no setor público, nós temos as questões já conhecidas de muita prestação de contas, muita responsabilidade com o uso do recurso público e muita morosidade.

Nesses três setores, como avalia as experiências que você teve?

São diferenças grandes e acho que me encontrei mesmo no setor corporativo. Nele eu emprego melhor minha capacidade de navegar, de fazer alianças, de fazer a tradução das questões de sustentabilidade para a linguagem corporativa. Fiquei por mais de 11 anos na Serasa e já estou há sete na SulAmérica.

Voltando um pouco para o início da sua trajetória com sustentabilidade, que diferenças vê hoje em relação ao passado?

Talvez eu seja da primeira leva de profissionais de sustentabilidade e responsabilidade social, o pessoal que começou no final dos anos 1990, e estou hoje muito empolgado com a atenção que o tema está recebendo.

Acho que os jovens executivos têm uma compreensão maior do valor que a sustentabilidade traz, não só para o negócio, mas para todos. Lembro que na época de faculdade a maior parte dos colegas de administração queria trabalhar em bancos e grandes consultorias, mas eu não me via muito nesse ambiente mais hard de setor financeiro. Eu não me encantei pelos atrativos dos programas de estágio e trainee, onde se ganhava dinheiro e status, aquilo não era muito a minha praia.

Acho que hoje o jovem executivo tem capacidade de entrar em um negócio em que o ESG já está incorporado. Existem empresas surgindo dentro dessa agenda já, coisa que não existia lá atrás. Lembro de ir a eventos de responsabilidade social muito pequenos, em que todo mundo se conhecia, e a nossa luta era para não sermos vistos como “abraçadores de árvore”.

Não tinha nem curso para fazer na área. Hoje, se uma faculdade de administração não oferece um currículo de sustentabilidade, precisa se atualizar. Isso está na agenda de todos.

A fama de “abraçador de árvore” para executivos da sua área ainda existe?  

Menos do que antes, mas ainda pode existir em empresas que estão vendo o movimento ESG e querem rapidamente estar nessa agenda. Então contratam alguém sem olhar para a cultura interna, para a estratégia, e essa pessoa fica deslocada. A conversa fica distante do dia a dia da empresa que nunca olhou para esse assunto. Eu converso muito sobre isso com as pessoas que trabalham comigo e a gente sempre fala que é preciso dosar o ativismo.

Como é possível fazer isso?

Uma coisa é o ativismo na vida pessoal e outra coisa é na empresa. Não que a gente não vá fazer, mas precisa dar uma dosada. Se a gente se deixar levar pelo calor da discussão, podemos ser taxados de pessoas “antinegócio”, executivos fora da realidade, “abraçadores de árvore”. Mas acho que hoje tem havido muito menos ceticismo em relação a essa agenda, dado que o mundo todo está mais atento e que o setor financeiro está demandando muito das empresas.

Como estão as empresas brasileiras nesse quesito, em comparação ao resto do mundo?

A diferença entre empresas brasileiras e europeias já foi muito maior do que é hoje, especialmente nas maiores e mais estruturadas. Mas houve um avanço também entre empresas de médio porte e até nas pequenas.

A diferença é que ainda temos muitas empresas olhando para ESG só pela ótica do risco e do custo, e as mais avançadas estão olhando sob a ótica das oportunidades, dos novos negócios e novos mercados.

Acho que temos boas referências no Brasil, que se fazem presentes e se destacam em prêmios, em índices de mercado, em avaliações de agências de classificação de risco. E vejo muita troca de experiências entre as empresas, o que tira um pouco de cena a coisa da concorrência a todo momento.

Entre os projetos e causas em que você se envolveu, quais te dão mais orgulho?

Na questão da educação financeira eu desenvolvi trabalhos interessantes, desde criar uma referência nacional para medir a educação financeira das pessoas até apoiar negócios e iniciativas para ajudar o consumidor a negociar dívidas e poder ter uma vida melhor. É um tema pelo qual tenho muito apreço, e atuei nisso tanto na Serasa como na SulAmérica.

Também tenho orgulho das iniciativas de inclusão e diversidade na Serasa e na SulAmérica, do nosso trabalho com metas e ações afirmativas. Ultimamente tenho atuado no campo da governança corporativa, trazendo para o ambiente do conselho de administração as discussões sobre a agenda social e ambiental. Outro campo importante é o da transparência, dos relatórios de sustentabilidade, da capacidade de transformar tudo o que é feito pela empresa em informação de qualidade.

Existe alguma causa com a qual você não trabalhou mas tem vontade?

Um desafio que ainda tenho de solidificar está relacionado à agenda ambiental. Dadas as empresas pelas quais passei e as atividades que exerci, o meu peso sempre foi mais para o lado social.

Trabalhar na questão da mudança climática, que é muito forte, é um desafio que me coloquei e que tenho me dedicado para fazer avançar.

No campo social, queremos fazer mais ações diretas de impacto social. Vamos colocar um olhar prioritário em saúde emocional, no contexto da pandemia. Estamos criando o Instituto SulAmérica que vai atuar com saúde integral, mas prioritariamente com saúde emocional. Isso foi recentemente formalizado e vai ser lançado neste mês.

Por que a escolha da saúde emocional como prioridade?

O Brasil é recordista em questões de saúde emocional, e quando olhamos para a população mais pobre os números são alarmantes. Na baixa renda, que acha que não pode se dar ao luxo de ter questões emocionais, que tem que vender o almoço para pagar a janta, isso parece um luxo, mas o lado emocional tem impacto na saúde física e financeira. Queremos também trabalhar contra o estigma, o preconceito associado a essas questões.

No ápice da pandemia a gente disponibilizou 30 mil consultas gratuitas para a população em geral. A pessoa poderia passar por três consultas com psicólogos, mas a gente não teve mais de 3.000 consultas acessadas. Então a gente percebeu que a maior barreira é o preconceito com o assunto.

Você é coautor do livro “Trabalho com Significado – O novo capitalismo e a nova empresa”, de 2012. O que é um trabalho com significado?

O trabalho com significado está muito alinhado à questão do propósito. As pessoas buscam se conectar a atividades que tenham propósito, que falam diretamente com as questões da sociedade. Quando se fala de trabalho e significado, não podemos resumir o motivador à questão financeira. Lógico que o dinheiro é necessário, mas quanto mais você conseguir trazer significado ao trabalho, atrelado a questões ambientais e sociais, mais sentido ele vai fazer, você vai colocar mais energia naquilo e se sentir mais satisfeito.



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