“Um sonho que tirei do papel: empreender para reduzir a fome no Brasil”, diz Lucas Infante, CEO da Food to Save

Cibele Pixinine | 31 ago 2022
Guido Bruzadin, Murilo Ambrogi, Lucas Infante e Fernando dos Reis, da Food to Save. Foto: Jefferson de Souza
Cibele Pixinine | 31 ago 2022

Anos atrás, o empreendedor paulista Lucas Infante trabalhava em uma franquia de supermercado. Assistia, diariamente, a um desperdício considerável de alimentos – enquanto tanta gente passava fome lá fora. Não era possível ignorar a situação. Foi quando passou a idealizar a Food to Save, startup sustentável que hoje ele comanda e que propõe uma nova solução para o descarte indevido de comida.

“Eu sempre fui um cara muito inquieto e sempre busquei algo que pudesse gerar impacto social. Mais do que empreender, contratar, e ter um negócio funcionando, eu queria contribuir com a sociedade e deixar um legado. Quando percebi que poderia fazer minha parte na luta contra a fome e o desperdício de alimentos, entrei de cabeça no movimento”, conta.

A proposta de Infante, ao lado dos sócios Murilo Ambrogi, Fernando dos Reis e Guido Bruzadin, é vender “Sacolas Surpresas”com o excedente da produção dos estabelecimentos parceiros. Funciona assim: alimentos próximos da validade, com pequenas imperfeições, porém aptos para o consumo, são separados pelos comerciantes credenciados pela plataforma, que monta uma sacola. O usuário que navegar no aplicativo poderá escolher sua sacola (sem saber o itens que vem dentro) e comprar os produtos com descontos que podem chegar a 70%. O executivo garante que é lucrativo para o estabelecimento, para o consumidor, e para o meio ambiente.

“Eu já estive nos dois dos lados da moeda: como consumidor e empresário. Minha pergunta era ‘Como podemos conectar esses dois pontos com uma visão sustentável?’. Com a Food to Save, o negócio ganha um novo fluxo de clientes e monetiza os produtos em bom estado que iam ser descartados. O consumidor tem acesso a uma variedade de alimentos com descontos atrativos. E o planeta agradece”.

Em quase dois anos de operação, a Food to Save tornou-se app líder no mercado, movimentando mais de R$ 5 milhões e “salvando” mais de 300 toneladas de alimentos.

“Hoje estamos em 19 cidades brasileiras. Contamos com mais de mil estabelecimentos cadastrados que estão lutando juntos conosco por essa causa e a tendência é de crescimento”, projeta. 

Em entrevista para a NetZero, Lucas Infante conta um pouco da trajetória da startup e mostra como é possível empreender de forma lucrativa e sustentável.

NETZERO: O que impulsionou a criação da Food to Save?

LUCAS INFANTE: Acredito que muito se fala em aumentar a produção de alimentos para dar conta do crescimento da população, mas isso tá errado. Não é aumentar a produção, mas sim melhorar a distribuição dos alimentos. Eu já moro fora do Brasil há cinco anos e, em uma das minhas últimas empreitadas de negócio, eu administrei uma franquia de supermercado na Espanha. Foi a primeira vez que trabalhei com produtos alimentícios. Era um setor diferente de tudo o que eu já havia visto.

Eu olhava para aquelas pilhas de alimentos e pensava que não tinha como dar vazão a tudo aquilo. Eu não podia comer tudo, não tinha logística suficiente ou tempo hábil para vender todo o estoque. E isso me incomodou demais.

A grande motivação para a Food to Save surgiu daí, desse sentimento incômodo que foi crescendo dentro de mim. Ali no contexto europeu já existiam inciativas que tentavam combater o desperdício de alimentos. Minha ideia era propor um negócio que fosse bom para todo mundo, aliar lucro com responsabilidade social e ambiental. 

Como o cenário da pandemia de Covid-19 influenciou na criação da startup?

Todos nós sabemos que durante a pandemia a fome aumentou muito no nosso país e no mundo. Isso tornou ainda mais urgente o movimento de consumo consciente e combate ao desperdício. A procura por produtos mais em conta, descontos, e formas alternativas de lucrar também cresceu entre os consumidores e os estabelecimentos. Esse contexto de pandemia fez também com que nós investíssemos no delivery. As pessoas estavam em casa e queriam consumir, mas não podiam. Sentimos que havia uma demanda reprimida e por isso arriscamos a implantar o delivery. Essa foi uma virada de chave para a gente, porque ganhamos uma capilaridade enorme.

A Food to Save cresceu muito em um curto período de tempo. Você poderia falar como foram essas etapas?

O primeiro insight surgiu no final de 2020, no período da pandemia, quando eu ainda estava na Espanha.

Foram noites sem dormir. Vida de empreendedor mesmo. Haja colar post-it na parede e anotar tudo o que eu pensava [risos]!

Foi quando eu chamei o Murilo, um dos nossos cofundadores, e compartilhei a minha ideia. Ele não hesitou. Passamos algumas noites conversando online e na terceira conversa, eu decidi ir para o Brasil e materializar o projeto. Na primeira etapa, testamos a viabilidade da nossa ideia por meio de um MVP (Minimum Viable Product, ou Produto Mínimo Viável, em português) no Instagram.  Nós visitamos vários estabelecimentos de São Paulo. Tomamos vários ‘não’ na cara, mas alguns ‘sim’. Foi o suficiente pra gente começar. Iniciamos vendendo no Instagram, criamos uma conta, onde a gente fazia tudo: subia as sacolas, anunciava nos stories, disponibilizava o produto. Eram só 100 seguidores. Muitos familiares, amigos. Tínhamos o objetivo claro de lançar um app, algo leve e acessível para toda a população. Mas nesse meio tempo, lançamos um website, o que foi uma sábia decisão da nossa equipe. O site permitiu que a jornada de compra ficasse mais profissional e mais eficiente para o consumidor. A partir daí fomos subindo degrau por degrau. Depois do site, lançamos o deliverye o aplicativo, que hoje é o nosso carro-chefe.   

Quais as principais dificuldades que vocês enfrentaram?

O nosso principal desafio foi e sempre será cultural. Lidamos com um tema que está em pauta, mas que ainda incomoda a poucos. Nosso desafio é mudar o mindset de uma sociedade que há anos convive com esse problema, porém, pouco tem feito para mudar. É educar a nova geração e reeducar as gerações mais antigas.

Como eu mudo a cabeça do empresário? Como eu mostro para os consumidores que não faz sentido jogar fora? De resto, eu brinco que todo o problema vem pro bem…O empreendedor está aí para solucionar problemas. Isso faz parte do jogo.

Você acredita que iniciativas como a Food to Save podem inspirar outros empreendimentos?

Sem sombra de dúvidas! É desafiador, nós não conseguimos fazer tudo de uma só vez, mas é possível. Estar dentro da Food to Save e ver de perto os nossos resultados, faz com que eu acredite que a gente pode ir muito além. É possível transformar muito mais. Acredito na importância do exemplo. Assim como eu sou inspirado por várias personalidades, eu também posso inspirar outros empreendedores, jovens da nova geração que desejam empreender com propósito. E quando a gente fala do segmento, o convencimento das empresas vai muito além do valor monetário e econômico. A influência que exercemos hoje está muito ligada ao ESG.

Como vocês encaram o conceito de ESG?

Não tem como evoluir sem seguir esses valores.

Não faz sentido algum a gente ter uma empresa que não se preocupa com o meio ambiente e com a sociedade que está inserida. Nós entendemos que é também nossa responsabilidade encorajar outras marcas a entrar nesse movimento. Precisamos aumentar a escala. Quanto mais gente envolvida, mais a gente conseguiremos mudar a forma de vender, consumir e reaproveitar alimentos.

Quais são os próximos passos da Food to Save?

Nossa meta é estar nas principais capitais brasileiras até o final de 2023. Queremos também superar as fronteiras nacionais e ser o aplicativo nº 1 da América Latina no combate ao desperdício de alimentos. Começamos com quatro pessoas, hoje nossa equipe tem 30, e seguimos crescendo. Queremos ampliar esse modelo de negócio de norte a sul do Brasil e, é claro, promover a educação e o consumo consciente de alimentos. Queremos que as pessoas nos enxerguem não somente como um app, como um aplicativo de desconto ou delivery, mas como um movimento que, através da tecnologia, consegue transformar a sociedade.

O que você diria para quem está começando a empreender agora?

Arrisque-se! [risos]. Eu sempre brinco com isso. Muita gente coloca na cabeça que custa R$ 1 milhão para começar um negócio, mas na verdade, você só precisa de uma boa ideia.

Ninguém segura uma cabeça obcecada por realizar algo. Então dê o primeiro passo. Tire do papel, arrisque. Se não der certo, vire a página, tente de novo. Aventure-se, saia da caixinha, olhe para o lado. Pense além do seu sonho individual e faça algo mais.



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