“Diversidade favorece a inovação. Não faz sentido não ter mulheres na alta liderança das empresas”, diz Carol Conway, do WOB

Maisa Infante | 8 mar 2022
Carol Conway é uma das fundadoras do WOB. (Foto: Divulgação)
Maisa Infante | 8 mar 2022

A luta de décadas por equidade de gênero dentro das empresas, tanto em termos salariais como de representatividade, vive um momento em que empoderamento combina com ESG. Ainda assim, a mudança nesse cenário caminha a passos lentos.

Por isso, criar incentivos para estimular a presença de mulheres em postos de liderança tem tido um efeito transformador. É justamente nesse lugar que atua o WOB (Women on Board), uma iniciativa lançada em 2019 por sete mulheres que querem ver mais mulheres ocupando postos nos conselhos das empresas –onde as decisões sobre o futuro do negócio são tomadas. 

“O que a gente percebia é que muito se falava sobre o desconforto de empresas e organizações com lideranças predominantemente ou somente masculinas, mas não havia nada que pudesse, do outro lado, reconhecer ou estimular as empresas que estavam fazendo o trabalho de nomear mulheres”, explica Carol Conway, diretora de Assuntos Regulatórios do Grupo UOL e cofundadora do WOB.

“Pensamos em criar um mecanismo simples, direto, sem muito espaço para subjetivismos, para identificar essas empresas, colocar o foco positivo nelas e, assim, também estimular as concorrentes a buscar o mesmo, criando um ciclo virtuoso.”

O selo WOB foi lançado durante o Fórum WEPs (sigla em inglês para Princípios de Empoderamento das Mulheres), uma iniciativa da ONU Mulheres, OIT (Organização Internacional do Trabalho) e União Europeia que busca conscientizar as empresas do impacto positivo que a equidade de gêneros causa nos negócios. Ele é concedido para as empresas que têm ao menos duas mulheres titulares em seus conselhos. Hoje, cerca de 100 companhias já possuem o selo, incluindo Ambev, Arezzo, Furnas, B3, Grupo Fleury, Santander e PagSeguro. 

A meta, segundo Carol, é que um dia o WOB não precise mais existir pelo simples fato de que a tão sonhada equidade de gênero será uma realidade por si só. 

“Estamos longe disso e tem muito trabalho a ser feito para que o Brasil atinja pelo menos a média mundial, que é de aproximadamente 24% de mulheres em conselho. Aqui, em companhias abertas, estamos com 14%. Em 2019, quando o WOB começou, esse número estava ainda mais longe: eram apenas 10,5% do total.” 

Na entrevista a seguir, Carol fala sobre os desafios desse trabalho. 

NETZERO: Qual a importância para os negócios de ter mais mulheres em conselhos?

CAROL CONWAY: A diversidade favorece o pensamento estratégico, inovador e questionador entre os pares do conselho, gerando esse ciclo de inovação. Não faz sentido em uma sociedade onde mais de 50% são mulheres e onde mais de 65% das pessoas que saem das universidades são mulheres, não ter mulheres na alta liderança das empresas. 

Por que escolheram o número de duas mulheres em conselhos para conceder o selo WOB? Por que não mais do que duas?

Quando existe a nomeação de uma única mulher, chamamos de tokenização, porque muitas vezes essa nomeação é feita apenas para cumprir uma demanda. Optamos por pelo menos duas mulheres porque, olhando o retrato dos conselhos no Brasil, ainda hoje cerca de 45% de companhias não têm nenhuma mulher no conselho. Se colocássemos pelo menos 3, não íamos conseguir começar. Então, duas é onde entendemos que conseguiríamos atingir um número de conselhos para começar esse trabalho. Quem não tem nenhuma, nomeia pelo menos duas. E aí o ciclo anda por si só. 

Há empresas que contam com uma representatividade maior?

Temos alguns casos, justamente porque quando se percebe que existem mulheres para serem conselheiras e que isso não é um ofensor, pelo contrário, agrega, as companhias começam a nomear mais mulheres. Hoje já existem diversas pesquisas que mostram esse benefício, inclusive financeiro. Uma delas, do Bank of America, diz que conselhos diversos têm 15% a mais de chance de retorno financeiro. Então, por que não investir nisso?

Fundadoras do WOB: Barbara Rosemberg, Christiane Aché, Daniela Graicar, Marina Copola, Patrícia Marins, Carol Conway e Carolina Niemeyer. (Foto: Divulgação)

O que acontece depois que essa “cota” de duas mulheres é atingida?

Quando adere ao selo WOB, a empresa se compromete em um termo de adesão a avisar-nos caso ela fique sem o quórum de duas mulheres titulares. A partir daí, ela tem seis meses para substituir. Não existe uma obrigação de reportar para nós, mas acompanhamos essas companhias, especialmente na época de renovação de board. 

E as mulheres conseguem ter voz ativa nesses conselhos?

Essa voz ativa é um dos motivos que nos fizeram decidir que, para obter o selo, as conselheiras têm que ser titulares. Porque a mulher conselheira titular está efetivamente exercendo um papel de conselheira. O suplente é mais uma exigência legal do que um exercício de fato. Então, essa é uma evidência da efetividade. A gente também mede essa efetividade pelas outras empresas.

Existem muitas conselheiras que são conselheiras independentes de diversas companhias. E muitas vezes recebemos ligações dessas companhias pedindo o selo. A gente enxerga esse trabalho de posicionamento das conselheiras como um efeito concreto da ação delas, porque outra companhia na qual ela é independente não estaria nos ligando para obter o selo se o conselho não tivesse aprovado. 

Como você avalia o impacto do selo Women on Board na presença feminina nos conselhos? 

Em geral, o número de mulheres em conselho no Brasil, que ainda é muito baixo, vem aumentando. Lógico que existem diversos fatores para isso, mas na prática nós temos percebido que empresas que não pensavam em nomear mulheres, principalmente em renovação de conselhos, ficam sabendo do selo e começam a buscar mulheres.

Então, o selo tem feito esse papel de ser algo tangível para mudar um pouco a cultura ou para alertar sobre a nomeação de mulheres. Porque ainda hoje existe o mito de que não existem mulheres, mas existem sim e quem quer nomear basta procurar.  

Por que você acha que existe esse mito e o que está fazendo ele ser quebrado?

Esse mito existe pelo histórico cultural da nomeação de pares masculinos e a criação dessa cultura de homogeneidade.

A nossa missão, assim como de tantos outros projetos, é quebrar um pouco esse teto de vidro. O selo WOB é uma das formas de colocar uma ferramenta para fazer as pessoas refletirem. E recebemos muitos feedbacks neste sentido, até de presidentes de conselho ou acionistas, nos agradecendo por lembrá-los.

Tanto o nosso trabalho como o de outras iniciativas são fundamentais para que um dia a gente não precise de nenhum e a coisa possa seguir sozinha, como reflexo da própria sociedade.

O que tem impedido mais mulheres de chegarem a cargos de liderança?

Do ponto de vista das empresas, tem muito a questão estrutural, que representava para a mulher um “eu não posso porque aquilo é um espaço masculino”. Hoje é mais falado, então isso começa a se diluir, mas ainda tem muito trabalho a ser feito. Tem também essa questão cultural de ter mais mulheres que inspirem, que mostrem que as mulheres podem. E tem um lado que, pra mim, é bastante relevante que é a mulher se empoderar e entender que ela pode. E isso passa por um trabalho interno.

Elas acham que não podem?

Muitas mulheres entendem que não podem ou que não vão dar conta e, normalmente, elas são super qualificadas. Isso passa por uma questão estrutural, de que a mulher cuidava da família e dos filhos enquanto o homem saía para trabalhar. Então tem um trabalho interno de empoderamento que precisa ser feito.

E qual o papel do homem nesse cenário do empoderamento feminino?

O papel do homem é fundamental porque se ele se empoderar e empoderar a mulher, vamos ter uma virada cultural na qual cada um pode ser quem é, independentemente da cor da pele, do gênero ou da orientação sexual.

O papel do homem é importante tanto do ponto de vista da mulher quanto do ponto de vista de atualização, porque a gente não quer o padrão do passado, no qual existia uma espécie de luta de gêneros. Não é sobre isso. Se nos tratarmos como iguais, mas diferentes nas nossas diferenças, vamos ser melhores juntos do que sozinhos.

É inegável que a pauta da equidade de gênero está em alta. Mas toda essa discussão está se convertendo em resultado?

Tem muito trabalho para ser feito e não é simples. Estamos falando de mudar uma cultura de muitas gerações. A nossa ideia no WOB é justamente focar nos conselhos porque quando estão lá, elas conseguem cobrar da liderança das empresas que precisam dar um retorno, até por uma questão de governança. E isso ajuda a acelerar a pauta. 

Qual a sua opinião sobre ações afirmativas, como abrir vagas específicas para mulheres ou incluir um determinado número de currículos femininos em processos seletivos para que eles aconteçam? Isso é importante?

Sim. E essa importância vai variar de acordo com o setor. Na educação, por exemplo, já tem mais mulheres, mas ainda é preciso olhar para uma política salarial. Já em tecnologia, são poucas mulheres, então esses programas de estímulo, de buscar equidade na seleção de vagas são super importantes. Não é um trabalho de curto prazo e precisa começar a ser feito para que um dia não seja mais necessário.

A cobrança pela agenda ESG tem feito as empresas acelerar a busca pela equidade de gênero?

Sim. Principalmente depois da pandemia, a agenda ESG veio muito para o topo das preocupações da organização. A pandemia acelerou isso e o WOB se insere nessa agenda.

A agenda ESG é muito maior do que a equidade de gênero, mas temos reparado um movimento muito positivo até de empresas que colocam nos seus relatórios ESG sobre o WOB. 

São as empresas que procuram vocês ou vocês que procuram as empresas?

As duas coisas. Inicialmente, nós procuramos muito as empresas para começar esse trabalho. Mas sempre acreditamos no peer pressure, que é essa pressão dos pares. Se uma empresa do setor de hospitais, por exemplo, conquista o selo, o outro hospital concorrente acaba vindo. Então, hoje, a gente tem mais procura do que inicialmente a gente tinha, comprovando isso. 

Você é da área jurídica, que tem histórico de ser bem masculina. Na sua trajetória profissional você enfrentou preconceitos? Como você lidou com isso?

Sim, bem no início da carreira, onde os ambientes eram muito piores do que hoje e havia muita distinção do trabalho que a mulher podia fazer e o do homem. Eu transformei isso no propósito de mudar alguma coisa que eu não queria mais que acontecesse no mundo. 



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