São Paulo terá, em breve, quem more em um prédio construído com aço sustentável. O Ária Higienópolis, empreendimento da Tegra Incorporadora, está sendo erguido com o vergalhão 50S XCarb, produzido com 100% de energia elétrica renovável e 100% de sucata, o que reduz a emissão de CO2 em cerca de 60% quando comparado com a produção tradicional de aço.
“A descarbonização é o maior desafio da siderurgia, que contribui com cerca de 7% das emissões de CO2 do planeta. Isso é significativo porque o aço é muito utilizado e tem uma relação direta com o desenvolvimento da sociedade. Quanto mais desenvolvida a sociedade, mais aço ela consome”, diz Guilherme Abreu, gerente geral de sustentabilidade da ArcelorMittal Brasil.
O vergalhão usado pela Tegra faz parte do XCarb, uma estratégia global da siderúrgica para fornecer soluções em aços com baixa emissão para os clientes que desejam reduzir a pegada de carbono.
Por enquanto, é produzido apenas sob demanda, mas a meta é que até 2050 tecnologias como esta estejam totalmente estruturadas e a empresa seja neutra em carbono. Antes disso, em 2030, a ArcelorMittal quer reduzir em 25% as emissões de escopo 1 e 2 (diretas e de energia elétrica).
Com sede em Luxemburgo e 8 usinas no Brasil, a ArcelorMittal vem estudando e testando formas de produzir um aço com baixa emissão de CO2, um desafio já que o carvão mineral, que é um grande emissor, está no cerne da siderurgia. Ele tem duplo papel no processo de produção do aço: é usado como combustível dos altos fornos e também como redutor na fundição do minério de ferro (o carbono liberado pelo carvão retira o oxigênio e deixa apenas o ferro).
Com uma produção de 15 milhões de toneladas de aço por ano no Brasil, a ArcelorMittal trabalha com dois tipos de produção: a integrada e a semi-integrada, que correspondem por 65% e 35% da produção respectivamente. Na integrada, o minério de ferro e o carvão são fundidos em altos fornos gerando ferro gusa, processo que libera 2 toneladas de CO2 para cada tonelada de aço. Depois, o ferro gusa é refinado e vira o aço.
Nas usinas semi-integradas não há a fundição do minério de ferro com o carvão. Usa-se a sucata reciclada aquecida em fornos elétricos para obter o aço. Isso diminui a emissão de CO2 para 400 kg por tonelada de aço produzido. É nesse tipo de usina que os vergalhões utilizados pela Tegra foram produzidos.
O desafio aqui é o uso da sucata, uma das apostas da indústria para ter um aço mais sustentável, já que se trata de uma matéria-prima infinitamente reciclável. Carros, eletrodomésticos e outros itens podem voltar para a indústria e se transformar em aço novamente. Porém, ter sucata suficiente para bancar a produção ainda é uma questão.
“A maximização do uso de sucata em relação ao aço proveniente do minério de ferro é uma das formas de reduzir as emissões. Mas é preciso ter disponibilidade de sucata. Vamos ter que trabalhar muito com o governo para atuar junto a macro geradores e promover políticas públicas que aumentem essa disponibilidade”.
Além disso, para ter mais sucata, é preciso ter mais consumo. Hoje, segundo Guilherme, o consumo de aço no Brasil é em torno de 115 kg/habitante ano, mesmo valor de 40 anos atrás.
“Não houve crescimento de consumo per capita. Houve um crescimento da produção porque aumentou a população”, avalia.
Outra alternativa para a produção de um aço mais sustentável é o uso do carvão vegetal produzido a partir de florestas plantadas. A sustentabilidade está no fato de ser uma fonte renovável, já que a floresta é replantada a cada ciclo de colheita, e também porque o ciclo de carbono se fecha com as árvores, capturando o CO2 liberado na atmosfera.
A unidade responsável por esse trabalho é a ArcelorMittal Bioflorestas, que produz carvão vegetal a partir de 80 mil hectares de áreas plantadas de eucalipto. A madeira colhida é transformada em carvão usado em dois altos fornos instalados na planta de Juiz de Fora (MG).
“Um dos pontos da nossa jornada para reduzir 25% das emissões até 2030 é o aumento do uso de biomassa em substituição parcial ao carvão mineral. O grupo está incorporando essas possibilidades no processo”, explica o executivo
Mas a grande aposta para a descarbonização do setor de aço ainda não é utilizada no Brasil: o hidrogênio verde, que pode substituir o carvão nos processos integrados de redução do minério de ferro.
“No processo tradicional, o carbono ‘rouba’ o oxigênio, vira CO2 e deixa só o ferro. Substituiremos o carbono por hidrogênio, que ‘rouba’ o oxigênio e vira H2O”.
Para que a indústria chegue nesse ponto, é necessário produzir hidrogênio a um custo efetivo e instalar reatores que permitam o uso desse hidrogênio. A expectativa é que, no Brasil, esse processo comece no Ceará, onde fica a recém-adquirida planta da Companhia Siderúrgica do Pecém. Porém, ainda não há data para isso acontecer.
A ajuda para esse salto de desenvolvimento também virá do centro de pesquisas da ArcelorMittal na Europa, que trabalha no desenvolvimento de novas tecnologias. Como o mercado europeu taxa as emissões, existe uma pressão para que o desenvolvimento aconteça mais rapidamente.
Na Espanha, por exemplo, a usina de Sestao vai produzir aço 100% carbono neutro até 2025 usando estratégias como sucata, hidrogênio verde e energia elétrica renovável, além de, claro, um pouco de compensação ambiental. “Estima-se que a compensação vai ficar em cerca de 10%”, diz Guilherme.
Enquanto o hidrogênio verde não se estabelece por aqui, a ArcelorMittal – e todo o setor do aço – trabalha para ampliar o uso de gás natural que, embora seja um combustível fóssil, emite menos carbono que o carvão mineral. É um caminho de transição com a vantagem de que os fornos que usam gás natural – chamados fornos de redução direta – podem ser convertidos a hidrogênio com mais facilidade do que um alto forno tradicional.
“Quando comparamos com os Estados Unidos, o nosso custo de gás natural é cerca de 3 a 4 vezes maior, o que acaba não viabilizando a produção. Todo setor de aço do Brasil está trabalhando forte para reduzir esse custo”.
O desafio de reduzir e neutralizar as emissões de um setor onde o carbono tem papel fundamental é gigantesco. Usinas siderúrgicas são grandes estruturas e o investimento é alto. Mas, segundo Guilherme, é um caminho sem volta.
“É uma discussão que começou quando clientes e investidores passaram a se organizar e questionar o setor. E a ArcelorMittal estabeleceu que 2050 será carbono neutra independente de SBTI (Science Based Targets) ou governo porque o horizonte de sobrevivência do setor do aço passará por isso”.
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