Como a Melhoramentos percebeu, em 2021, que capturar mais carbono do que emitir pode se transformar em ativo para a empresa

Marco Britto | 13 maio 2022
Karin Neves, diretora jurídica, de sustentabilidade e de pessoas da Melhoramentos. (Foto: Claudio Gatti/Divulgação)
Marco Britto | 13 maio 2022

Corporações vêm estabelecendo suas metas para chegar nos próximos anos à marca net zero, quando as emissões de carbono produzidas pela atividade industrial são totalmente compensadas ou eliminadas. Para a Melhoramentos, esse futuro já chegou: devido ao verde que mantém em reflorestamento e reservas de Mata Atlântica, a companhia consegue retirar muito mais carbono da atmosfera do que a soma de gases estufa que sua produção de fibras de celulose e livros para o mercado editorial gera para o meio ambiente.

Em seus 131 anos de atuação no Brasil, a empresa tem em seu core a manutenção de áreas verdes. Hoje são quase 8.000 hectares de florestas preservadas sob os cuidados da empresa, locais onde monitoramentos vêm inclusive descobrindo espécies ameaçadas de extinção, como o macaco muriqui-do-sul, que tem uma população de adultos estimada em 500 indivíduos no mundo.

Devido à natureza do negócio, o balanço de carbono da empresa é positivo –ou seja, ela consegue captar mais CO2 da atmosfera do que sua produção industrial emite. Mas uma recente reformulação nas diretorias da empresa trouxe ênfase para práticas ESG, e, ao olhar para sustentabilidade, a Melhoramentos percebeu sua balança positiva em carbono como um grande ativo.

“A mudança de chave começou quando recebemos cinco conselheiros independentes. Em 2020, surgiu uma nova diretoria, com novo CEO, um novo diretor para a fábrica e uma nova diretora para a editora. Começamos a olhar para a empresa de forma a preservar o legado, a história. Temos muitos hectares plantados e de mata nativa. Isso tem um reflexo muito bom nas pessoas, o colaborador levanta a bandeira e participa junto”, afirma Karin Neves, diretora jurídica, de sustentabilidade e de pessoas da Melhoramentos.

Esse saldo positivo de carbono foi medido pela primeira vez em 2021 e estreou no relatório de sustentabilidade divulgado neste mês. No período de 2019 a 2021, as emissões de gases de efeito estufa pela Melhoramentos nos escopos 1 e 2, que medem apenas a atuação direta da empresa, sem considerar emissões de fornecedores e prestadores de serviço, resultaram em 15 mil tCO2e (toneladas de carbono equivalente). 

Enquanto isso, os estoques florestais da companhia removeram 52 mil tCO2e da atmosfera  nesse mesmo período, o que deixa um saldo positivo de 37 mil tCO2e retiradas da atmosfera em três anos. O cálculo foi feito por uma auditoria independente contratada pela Melhoramentos. 

“Fizemos questão de uma auditoria independente, pois queríamos divulgar que somos clime positive, e entendíamos que precisávamos disso para poder falar bem alto [sobre o saldo de carbono]. Em 2020 falamos sobre isso de uma forma mais tímida, e agora podemos falar tranquilamente sobre números, que são fora da curva.”

Na visão da empresa, a abundância de área verde gera não só esse valor como também uma nova possibilidade de negócio, com a formação de mercados de carbono se desenhando no mundo empresarial.

Neste contexto, empresas poluidoras poderiam compensar seu impacto ambiental comprando créditos auditados de empresas como a Melhoramentos, que passam a receber para manter suas áreas verdes em pé, limpando a atmosfera. É uma possibilidade que a companhia monitora, embora julgue que o momento ainda é muito inicial e inseguro juridicamente para investir neste negócio.

“Estamos esperando o tema amadurecer para ver se faz sentido. Se a gente puder gerar um crédito de carbono com uma área que já temos, claro que vamos ter interesse nisso. O fato é que essa nossa rotina de resgatar mais do que emitir é o coração da empresa.” 

Para a executiva, ainda são necessárias regras claras sobre como funcionaria no Brasil este mercado de compensação de emissões, estabelecendo, por exemplo, níveis de área verde e seus respectivos valores, diferenciando uma floresta de pinos de uma área com mata Atlântica original, por exemplo.

“É um tema muito embrionário, sem legislação clara quanto a isso. Não nos sentimos seguros. A gente teria interesse, mas ainda não consegue por isso na prática, embora já olhemos para áreas pensando em compensação”, diz a executiva.

SUSTENTABILIDADE PARA ALÉM DO NET ZERO

Olhando para a gestão de carbono da Melhoramentos, este saldo positivo propicia pensar o “dia seguinte” após a marca net zero ser alcançada. Controlada a questão da emissão de carbono, a companhia atende a uma questão urgente, do cuidado com o ambiente e o clima, e pode focar em eficiência, gestão de pessoas e práticas sociais e de diversidade, por exemplo. Além de manter suas reservas verdes.

Área de floresta preservada pela Melhoramentos. (Foto: Divulgação)

A Melhoramentos tem ao todo 148 quilômetros quadrados de propriedades, sendo 49% dessas áreas destinadas à preservação. “É um compromisso que essa nova gestão quer manter. Começamos a fazer monitoramentos e intensificamos, até por conta do FSC [selo de certificação ambiental]. Além de não haver desinvestimento, a área de novos negócios está olhando para isso. Nosso produto é muito verde, é fibra para papel. Como eu posso desenvolver isso de forma sustentável, substituindo o plástico, por exemplo? Temos uma área focada nessas pesquisas”, conta Neves.

A reformulação na direção da empresa tem como principal meta equilibrar as finanças. O ano de 2021 representou um fôlego, com crescimento de 43% na receita líquida em relação a 2020, mas ainda sem resultar em lucro. Manter o foco em sustentabilidade e ver reservas naturais como ativo mesmo nesta situação revela um traço da mentalidade voltada para ESG na nova gestão.

“Estes resultados mostram uma recuperação consistente de nossos números, com crescimento expressivo de receita e Ebitda e evoluindo a qualidade de vida dos nossos times. Nosso crescimento deve favorecer o bem-estar das pessoas e da sociedade. Queremos gerar impactos positivos no nosso entorno, dar continuidade às ações de preservação da fauna e da flora, e perseguir inovações de forma responsável e transformadora”, afirma Rafael Gibini, CEO da Melhoramentos.

Além de medir e passar a divulgar o saldo de emissões de carbono, a companhia vem fazendo investimentos em eficiência energética e uso consciente da água, outros pontos fundamentais no diagnóstico do impacto ambiental da companhia. 

Em 2021, a empresa utilizou fertilizantes organominerais, resultantes da compostagem do próprio resíduo das fibras, em cerca de 20% das áreas plantadas. Uma reformulação na turbina geradora de energia para a produção de fibras conseguiu reduzir em quase 30% o consumo de eletricidade nessa etapa do trabalho. A Melhoramentos monitora ainda o uso de combustíveis e vem reduzindo a queima de gasolina e etanol.

“Atingiu o netzero? Ótimo. Temos que manter e, por que não, olhar situações e possibilidades de estocar carbono. Mas também investir em preservação, manter selos de qualidade, auditorias. A gente está olhando alternativas de energia, e também de fechar nosso circuito de água, tratando e reusando ao máximo a água colocada na produção. Isso requer investimento”, afirma Neves.



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