Empresa capacita povos indígenas para gerar renda com produto inovador: a borracha biodegradável da Amazônia

Ruth de Castro | 1 fev 2023
Francisco Samonek, CEO da Seringô
Ruth de Castro | 1 fev 2023

Francisco Samonek saiu do Paraná em direção ao Acre para trabalhar com cultivo de seringueiras clonadas, lá pelos anos 1980. Naquela época, os militares ainda governavam o Brasil e seguiam com projetos um tanto questionáveis de ocupação das regiões norte do país – uma política, aliás, que levou à morte milhares de indígenas. Samonek, entretanto, nunca plantou uma seringueira nestes tempos. Fez melhor: criou projetos para produção orgânica e artesanal de látex, com extração sustentável das centenárias seringueiras já presentes na floresta. Dessa ideia, surgiria, anos depois, a Seringô – uma empresa de venda de calçados e artesanatos produzidos pelos povos indígenas com borracha orgânica.

O caminho foi longo até chegar no produto final – e na parceria com os povos tradicionais. Primeiro, Salmonek precisou aprender como pré-vulcanizar o látex (processo feito em altas temperaturas para endurecer o material) no meio da floresta, sem máquinas.

“Quando conseguimos fazer a pré-vulcanização de forma artesanal, percebemos que tínhamos um grande projeto em mãos, com condições de gerar novos produtos, desenvolver novos projetos. Nada disso existia, tivemos de criar tudo”, conta Samonek, CEO da Seringô.

Era o primeiro passo. Mas ele queria mais, queria mudar toda a cadeia produtiva, transformar o seringueiro no próprio industrial. Na extração convencional, tira-se o látex da árvore e o leva até uma usina, onde é feita a higienização do produto. De lá, segue para uma indústria onde vira borracha. Pesquisador empenhado, Samonek encontrou as soluções. O látex seria modelado em sucata de alumínio, em formato de folha, e o excesso de água retirado com o uso de caroço de açaí. 

“Você precisa fazer com que a água saía do produto para gerar a borracha. Então tivemos de inserir fibras vegetais no látex para dispersar a água e ajudá-la a evaporar mais rápido no calor”, explica Samonek.

“Usamos o caroço do açaí micronizado. A gente quebra e o transforma em um talco, um pó, aí o misturamos ao látex. É como uma receita de bolo, você precisa da farinha para engrossar o leite. Nesse caso, o açaí engrossa o látex e pode ser transformado em borracha, no molde da folha.”

Na indústria convencional, esse processo de transformação do látex em borracha exige o uso de derivados de petróleo. Com Samonek, o processo natural gera produtos 100% biodegradáveis. “Esse é o principal diferencial dos nossos produtos, com composição de 30% de fibra vegetal e 70% de borracha”, diz. 

DE MÃOS DADAS COM OS POVOS INDÍGENAS

Em 2004, quando cursava o mestrado em ecologia e manejo de recursos naturais, na Universidade Federal do Acre, um professor convidou Samonek para testar o uso dessas técnicas com povos indígenas. Ali começaria uma parceria que perdura até hoje.

Havia, até então, duas empresas voltadas para pesquisa e produção de látex ogânico: a Coopereco (Cooperativa de Produção dos Ecoextrativistas da Amazônia) e o Proloprobio. Essa primeira, aberta ainda em 1994, seleciona e qualifica homens para produzir látex e borracha, e mulheres para produzir artesanatos com esses materiais. Já a segunda, que é uma organização não governamental de interesse público, assume a parte econômica: comercializando os produtos. E é de lá que saem também os financiamentos e recursos financeiros.

Da parceria com os indígenas, sairia a terceira empresa: Encauchados da Amazônia. Mulheres indígenas começaram a fazer seus próprios artesanatos e a vendê-los por meio da empresa.

“Em 2014, tivemos um problema: os homens começaram a boicotar o trabalho delas, por que elas não ficavam mais em casa, e cabia a eles as responsabilidades domésticas, de cuidar dos filhos, da comida. Tivemos de mudar essa situação, então convidamos os homens a colherem mais borracha e a gente estruturou novamente a cooperativa para transformar essa borracha em calçados.”

O NASCIMENTO DA SERINGÔ

Rebatizada de Seringô, a empresa hoje funciona como uma pequena fábrica de calçados, com produção de borracha mais sólida. Revendem solados e palmilhas para outras empresas interessadas em produzir calçados sustentáveis, além de fabricar sua própria linha de tênis e chinelos.

Os chinelos da Seringô podem ser encontrados em algumas lojas – uma delas fica na rua Oscar Freire, na cidade de São Paulo. Os sapatos, lançados durante a pandemia, saíram de linha, mas devem voltar ao mercado nos próximos meses.

RESPEITO AOS TRABALHADORES

No caminho correto e justo do trabalho sustentável, prega-se não apenas o respeito à natureza, mas também aos trabalhadores. E Samonek cumpre isso à risca. “Só para se ter ideia, eu pago R$ 10 para o seringueiro trabalhar na propriedade dele, sem nenhum custo, só a mão-de-obra. Não tem custo para ele, os insumos eu também forneço”, explica. “Quando você vai a um seringal em São Paulo, o quilo do produto custa R$ 3,50 – ou seja, três vezes do que eu pago só para o seringueiro.”

Mesmo sem os custos extras de produção, da usina e do processamento industrial, a borracha orgânica ainda sai mais caro. Segundo Samonek, a borracha vendida pela indústria convencional custa R$ 15 sem impostos, enquanto a dele sai por R$ 25. “Se eu fosse comparar com três vezes mais no custo que pago aos seringueiros, eu teria de vender por R$ 45, mas reduzo os custos no processamento. Não tenho os mesmos gastos da usina.”

TRANSPORTE CARO

Os custos com transporte também aumentam muito nas regiões amazônicas. “Em São Paulo, você coloca a borracha em um caminhão. Na Amazônia, você transporta em sacos de 60 quilos num navio, que cobra R$ 1 por quilo. Um saco custa R$ 60 reais para ser transportado. Aí você já vê o quanto encarece”, lamenta.

Além disso, nos seringais tradicionais, os produtores também usam aditivos para que as árvores produzam muito mais látex – o que barateia a produção, mas mata mais rapidamente as árvores.

“Não queremos que com 30 anos a árvore seja eliminada porque não produz mais. Queremos que ela viva seus 300, 400 anos. Ela vai morrer por velhice, não por ter sido exaurida no processo de produção de látex”.



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