Todos na mesma página: consultoria EY defende padronização dos relatórios de sustentabilidade no Brasil

Marco Britto | 5 out 2023
Rafael Schur, sócio da EY Brasil
Marco Britto | 5 out 2023

Na última leitura do Fundo Monetário Internacional, em abril, o Brasil foi classificado como a 9ª maior economia do mundo, à frente do Canadá no clube dos dez maiores PIBs do planeta. Essa força econômica invariavelmente passa pelo sistema financeiro do país, enquanto o contexto de negócios acompanha a transição energética e a implementação da agenda ESG no mundo corporativo, sendo o potencial brasileiro na economia verde um ativo cercado de expectativa.

Contudo, além das cifras e da competência na execução de serviços, a comunicação dos resultados é um fator que não pode ser desconsiderado, alerta a consultoria EY, que recentemente publicou uma análise sobre acertos e deficiências das instituições financeiras (IFs) do Brasil na hora de reportar indicadores de sustentabilidade.

Se, por um lado, as empresas do setor são eficientes na divulgação de emissões de carbono e diversidade no quadro de colaboradores, por outro há pouca informação sobre o que as IFs vêm fazendo a respeito da biodiversidade e do bem-estar dos funcionários, aponta o estudo, que analisou reportes de 13 players do setor financeiro do país, publicados em 2022.

“É preciso reportar mais coisas, falar sobre mais temas”, afirma Rafael Schur, sócio da EY Brasil e pesquisador com 25 anos de mercado financeiro, focado em estratégia e inovação. O executivo ressalta que o relatório apenas quantifica, sem avaliações. Ou seja, considera indicadores usados por reguladores como referência para a aferição de práticas ESG e confere se as empresas estão informando dados sobre os quesitos em seus relatórios de sustentabilidade. Não é intenção da EY classificar em forma de ranking o desempenho das IFs.

O vácuo informativo deixa dúvidas. É possível que haja empresas fazendo muito mais em suas agendas ESG do que informam, e com isso perdem oportunidades de agregar valor a suas operações. “Elas podem estar fazendo muita coisa, mas se isso não está no arcabouço dos reportes, não há como notar”, argumenta Schur. Perdem também as empresas que ainda não se adequaram à realidade corporativa, que exige compromisso com desempenho ambiental, social e com a governança que vai amarrar essas frentes.

“O Fórum Econômico Mundial fez uma análise estratégica das IFs no mundo e cita a agenda de sustentabilidade, colocando dois tipos de engajamento: as empresas que vão cumprir a regulação e as que vão se engajar neste tema com propósito, e fazer disso uma parte viva de suas estratégias”, aponta Schur. “Aquelas IFs que incorporarem isso às suas estratégias e produtos vão colher benefícios vinculados a clientes e colaboradores identificados com essa agenda. As que apenas cumprirem o obrigatório podem perder um conjunto de clientes, colaboradores e investidores.”

UM ASSUNTO DE RELEVÂNCIA

A intenção da EY com esta análise é, em primeiro lugar, fazer o assunto ser discutido. Na opinião de Schur, ainda há necessidade de estabelecer o senso comum, padronizando relatórios de sustentabilidade para que se possa, por exemplo, compará-los. Mesmo com uma amostragem de 13 IFs analisadas, o levantamento da consultoria revelou disparidades, com três grupos de abordagens diferentes entre as empresas, seguindo referências distintas e, em alguns casos, com ausência de padrão.

“Não queremos impor uma formatação. Mas é muita página, um banco comentou que tem relatórios com centenas de páginas com informações dispersas, é difícil de ler. Essa agenda de padronização é importante no âmbito do ISSB [International Sustainability Standards Board], órgão global importante para padronização, então esse tipo de esforço é importante”.

Além de seguir padrões internacionais, as empresas brasileiras podem inovar, trazendo temas “quentes” dentro de agendas como a das Nações Unidas, por exemplo. Schur aponta nichos como combate ao desmatamento de florestas, regeneração de biomas, saúde mental e iniciativas para o bem-estar de colaboradores como lacunas que devem ser preenchidas nos relatórios de sustentabilidade, aproximando as IFs da perspectiva ESG e dos temas centrais do debate global, em meio à mudança climática e uma renovação das noções de identidade, direitos humanos e condições de trabalho.

“Dentro de uma agenda de sustentabilidade temos que medir muita coisa, é um problema do tamanho do mundo”, afirma o executivo.

“Em geral, as IFs brasileiras estão muito avançadas nas informações que elas divulgam sobre emissão de carbono. Diversidade e inclusão reportamos muito bem também, é um tema caro no Brasil. Mas, em educação financeira, impacto em bioma, agenda com o consumidor, histórias de melhoria de vida de consumidores de produtos financeiros são agendas que eu sei que existem no setor, mas precisam ser melhor reportadas.”

Independentemente da velocidade desta transformação, a transparência é um valor máximo a ser cultivado. Praticar greenwashing, reportando iniciativas risíveis ou informações distorcidas, “para ficar bem na foto”, é um tiro no pé, alerta Schur. “Não podemos reportar o que a gente não tem. A agenda de greenwashing é muito ruim e os reports não podem ser um instrumento marqueteiro apenas, e vejo as IFs conscientes disso. Quando há materialidade, o negócio está bem feito, ok. Não pode haver forçada de barra.”

BOLSA DE VALORES E REGULAÇÃO BANCÁRIA

Como complemento, em setembro, uma segunda análise de mercado trouxe resultados semelhantes. A SIS (Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis) publicou recomendações para o fortalecimento da agenda ESG no mercado de capitais. Em janeiro, a mesma instituição já havia feito material semelhante direcionado à regulação bancária.

Em seu documento, a SIS chama atenção para a falta de padronização para critérios de ESG entre empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores. Não há, por exemplo, clareza sobre quais empresas têm obrigação de emitir relatórios de sustentabilidade, o que pode favorecer a desconsideração de atividades de alto impacto sobre o meio ambiente. Outro ponto sugerido no estudo é a criação de indicadores climáticos e ambientais para cada setor econômico, permitindo uma classificação de risco, e também um valor agregado nas ações de companhias mais “verdes”.

No caso do sistema bancário, a definição de indicadores similares pode servir como critério para a concessão de crédito rural, por exemplo. Exigir a divulgação de dados relativos à governança revela, entre outras situações, o perfil dos colaboradores e a existência de ações de capacitação, outro fator apontado pela SIS como desejável para a classificação de empresas.

Esforços de padronização, embutidos nos apontamentos dos relatórios da EY e da SIS, buscam um mercado financeiro mais transparente e sintonizado com a realidade dos negócios e seus impactos sobre o ambiente e as pessoas. A transparência não deve ser motivo de receio, pelo contrário: é uma oportunidade de mostrar o que há de melhor em cada empresa.

“Maturidade precisa de benchmarking, e hoje não temos essa referência para dizer que a instituição A é melhor melhor que a instituição B analisando relatórios de sustentabilidade”, avalia Schur.



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