10 obrigações que definem o compromisso das lideranças corporativas com a agenda ESG dos dias atuais

Ricardo Voltolini | 19 abr 2023
Ricardo Voltolini, CEO da consultoria Ideia Sustentável e co-fundador de NetZero.
Ricardo Voltolini | 19 abr 2023

Como tudo o que se refere a ESG, as pesquisas sobre o tema se multiplicam numa velocidade impossível de acompanhar. Nesta semana, Amcham-Brasil e a consultoria Humanizadas apresentaram as conclusões de um estudo sobre a agenda ESG, feito com 574 empresas, em sua maioria grandes e médias empresas. Reunidas, as respondentes somam meio milhão de empregos diretos e um orçamento de R$ 762 bilhões — compondo uma amostragem, no mínimo, relevante.

Os resultados não chegam a ser surpreendentes. Realçam, ainda que lateralmente, tendências verificadas em outras enquetes. Mais do que isso, confirmam o que tenho observado in loco na experiência de consultoria e educação corporativa. Menos da metade dos entrevistados (47%) alega adotar práticas ambientais, sociais e de governança e 31% pensam em fazê-lo, num sinal claro de descompasso entre intenção e ação, algo aliás bastante conhecido na história dessa discussão no Brasil.

Insegurança, desinformação, indiferença, incapacidade de identificar ganhos e oportunidades. Seja lá qual for a razão, a maioria das empresas ainda não aderiu à onda ESG.

Como este quadro poderia mudar? Os respondentes têm um ponto de vista sobre os fatores críticos de sucesso da implantação de ESG. Para 48%, a capacitação de líderes e pessoas é o ponto mais importante. Cerca de 47% entendem que a solução passa por dispor de ações de conscientização, seja lá o que isso quiser dizer. Com, respectivamente, 43% e 40% de menções, o desenvolvimento de uma cultura de sustentabilidade e a existência de um orçamento dedicado a projetos de ESG aparecem como outros dois aspectos necessários à mudança.

Na avaliação de 82% dos profissionais ouvidos, o acionamento do modo on do ESG nas empresas depende de CEOs, presidentes e vice-presidentes assumirem a liderança da agenda. Isso mesmo: assumir a liderança! Embora não avance na direção de “como” o C-Level poderia tomar para si o protagonismo da sustentabilidade, esta é a primeira pesquisa — até onde me lembro — a relacionar o papel da alta liderança com o sucesso na implantação de ESG. E este é um dos seus méritos.

Peso do trinômio liderança-cultura-pessoas

Há, pelo menos, 12 anos, desde a publicação do meu primeiro livro, “Conversas com Líderes Sustentáveis”, defendo uma tese: não existe empresa sustentável sem liderança sustentável, nem liderança sustentável sem cultura orientada por valores, muito menos cultura orientada por valores sem o desenvolvimento integral de pessoas. Isso explica porque me surpreendeu positivamente o fato de que todos esses elementos tenham sido, de alguma forma, apontados pelos entrevistados como “fatores críticos de sucesso” — uma evidência de evolução no entendimento de que a base para a transformação, mais do que técnica, está no trinômio cultural liderança-cultura-pessoas.

Em 25 anos de carreira, mais de 350 empresas atendidas, cerca de 500 líderes entrevistados, nunca vi nenhuma experiência bem-sucedida de implantação de sustentabilidade que não fosse top-down, que não tivesse a marca de uma liderança fortemente identificada com o tema e não se fortalecesse numa cultura de valores como ética, transparência, integridade, empatia, respeito ao outro e ao meio ambiente. Os melhores business cases de que participei envolveram invariavelmente o desenvolvimento de pessoas, fator até hoje pouco valorizado nas empresas.

Job description de uma liderança compromissada com ESG

Nossa experiência mostra que liderar para a sustentabilidade é muito mais do que botar o tema na agenda, lembrá-lo em reuniões de trabalho, ou dar entrevistas sobre a sua relevância. Se quiser mesmo conhecer o nível de envolvimento da alta liderança de uma empresa com ESG, avalie o quanto ela cumpre, senão todas, a maioria das seguintes 10 atribuições:

(1) Comanda a elaboração de uma estratégia consistente de ESG, buscando a cooperação entre as diferentes áreas?

Faz com que o conceito permeie a cultura organizacional, transformando-o em valor corporativo? Vale lembrar: se não está na estratégia não é ESG, na visão dos próprios investidores. Se não está na cultura não será percebida como valor pelos colaboradores. Se não é percebida como valor não terá o engajamento efetivo das pessoas.

(2) Engaja e coordena as diversas áreas corporativas da empresa com o objetivo de maximizar o desempenho em ESG?

Sustentabilidade não pode estar debaixo de um único departamento, exige uma visão transversal e uma governança multidepartamental. Apesar de ser uma das máximas mais batidas em sustentabilidade empresarial, há ainda quem insista na contramão, por indiferença ou mero comodismo.

(3) Está atenta aos cenários, avalia riscos e oportunidades relacionados com as questões de ESG para a empresa e o setor?

O primeiro raciocínio do investidor é reduzir riscos ligados aos principais impactos socioambientais e de governança. O segundo consiste em, controlados os riscos, estimular a empresa a transformar seus produtos, serviços em soluções para uma economia de baixo carbono e regenerativa.

(4) Identifica, de forma clara, todos os impactos socioambientais e de governança em sua cadeia de valor, e define planos de ações para minimizá-los e eliminá-los?

Este é, a rigor, o primeiro movimento de planejamento em sustentabilidade. Se ainda não foi dado, a empresa não entrou para valer no jogo.

(5) Envolve e educa colaboradores, adotando programa de desenvolvimento e sistemas sólidos de incentivo?

Desconfie de empresas que discursam sobre “se preparar para os desafios de ESG” e nada investem em desenvolvimento de colaboradores e líderes. Educação corporativa é investimento não gasto.

(6) Trabalha para convergir estratégia de ESG com estratégia de negócio (eixos, temas, objetivos, plano de ação, metas, métricas) e delega a execução da estratégia às áreas corporativas essenciais?

Líderes de empresas como Alan Jope, CEO da Unilever, e Satya Nadella, CEO da Microsoft, acreditam que, logo, não haverá duas estratégias, mas uma estratégia de negócio com ESG incorporado a ela.

(7) Envolve os fornecedores na estratégia de sustentabilidade, sensibiliza e capacita parceiros de negócios e monitora o quanto estão alinhados com as práticas da empresa?

Duvide de empresas que não consideram, na estratégia de ESG, a cadeia de valor, e se restringem a controlar os impactos “da porta para dentro”, minimizando eventuais desrespeitos a direitos humanos em empresas terceirizadas e as emissões de carbono de Escopo 3.

(8) Inova em processos, produtos e novos arranjos de negócio que tornem a empresa mais sustentável?

A melhoria contínua tem limites. Nenhuma empresa conseguirá superar os seus desafios de ESG sem investir em inovação aberta disruptiva, desenvolvimento tecnológico, diversidade, colaboração intersetorial e estímulo a soluções novas.

(9) Comunica os resultados e a evolução das práticas de sustentabilidade, visando prestar contas às partes interessadas e à sociedade?

Considere sempre se a empresa tem mecanismos claros de compliance, se costuma prezar pela verdade, se possui uma política de transparência e se os seus relatórios são auditados, em processos e resultados, por terceira parte credenciada.

(10) O CEO é porta-voz dos principais temas de ESG da empresa (para dentro e fora) e marca presença constante nas instâncias internas de governança dos temas ESG?

Aqui vale o walk the talk. Desconfie de uma empresa cuja liderança fala que os temas de ESG “estão no DNA” ou “são prioridade número 1”, mas não aparece na reuniões de comitês de sustentabilidade e diversidade, não abre os eventos de treinamento de ESG, não discute riscos e oportunidades ligados a impactos sociais e ambientais nas reuniões estratégicas e, ainda por cima, delega o comando da estratégia de ESG alegando “falta de tempo.”

**Ricardo Voltolini é CEO da consultoria Ideia Sustentável e co-fundador de NetZero.



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