“Antes, cada gestor dava ao fundo de investimento o nome que queria. Agora, isso vai acabar”, diz Daniel Celano, da Anbima

Renato Essenfelder | 25 fev 2022
Daniel Celano, membro do Grupo Consultivo de Sustentabilidade da Anbima. (Foto: Divulgação)
Renato Essenfelder | 25 fev 2022

Com o objetivo manifesto de “deixar as informações mais claras para o investidor” e oferecer um norte também a gestores de fundos de investimento, a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) está implantando um novo conjunto de regras compulsórias para definir o que é um investimento efetivamente alinhado à agenda ESG e o que não é.

Em um primeiro momento, apenas fundos de ações e de renda fixa estão sujeitos às novas regras. Nos próximos meses, contudo, devem ser divulgadas normas também para outras classes de ativos, como fundos multimercado e fundos estruturados.

O trabalho levou cerca de seis meses para ficar pronto e “não quer reinventar a roda”, explica Daniel Celano, membro do Grupo Consultivo de Sustentabilidade da Anbima, mas sim aproveitar e adaptar à realidade brasileira as melhores práticas de taxonomia de fundos dos EUA e da Europa.

De acordo com a norma, que Celano classifica como “uma mudança radical” e “uma pedra angular” para o desenvolvimento da indústria, os fundos de renda fixa e de ações com foco em ESG poderão ser identificados pelos gestores como “de Investimento Sustentável” ou como “fundos que integram Questões ASG” em sua gestão.

Na primeira categoria estão os investimentos “com objetivo intencional de proteger, contribuir, não causar dano ou degradações, gerar impacto positivo e/ou assegurar direitos em questões ambientais, sociais e/ou de governança sem que haja intenção de comprometer o desempenho financeiro do fundo”, conforme descreve o Código de Administração de Recursos de Terceiros, editado pela Anbima.

Na segunda categoria, dos investimentos que “integram questões ESG”, aparecem fundos com compromisso menos estrito com a agenda, mas que consideram esses aspectos ao fazer negócio.

Os fundos terão agora de seis meses a um ano para se adequarem às regras – ou então mudar de nome e reescrever o material publicitário que faça menção indevida à agenda ESG.

A regulamentação surge em um momento em que os fundos que fazem referência a termos como ESG/ASG, sustentabilidade, governança e responsabilidade, entre outros, mais do que dobraram no país. Para Celano, a expansão desse mercado tornava urgente a definição de regras como as que entram agora em vigor.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista que o executivo, que também é country head da gestora Schroders no Brasil, concedeu com exclusividade a NetZero.

A REGRA DO JOGO – “Com as mudanças nas regras de taxonomia e classificação de fundos ESG, a gente começa a dar passos mais largos na direção correta. Essa iniciativa é um marco para que a gente coloque as coisas em um caminho de mais organização e estimule o potencial crescimento desse mercado. Quando você não tem bússola, qualquer caminho é valido. Agora estamos falando ‘Olha, precisa ter uma regra do jogo, um framework’, principalmente para deixar as informações mais claras para o investidor.

Oferecemos um arcabouço razoavelmente forte para que a indústria se desenvolva. Mas, para essa evolução acontecer, precisamos estabelecer as regras do jogo, o que cada fundo tem, o que não tem, o que funciona, o que não funciona.”

EFEITO PANDEMIA – “Do início da pandemia pra cá, dobrou o número de fundos associados à pauta ESG, basicamente ligados a sustentabilidade e governança, tanto da classe multimercado quanto de renda variável.

A pandemia foi um catalisador disso por duas razões. A primeira é que as pessoas começaram a olhar com mais carinho para esse tipo de tema. A segunda é que, quando acontece uma crise, as pessoas procuram ativos de mais qualidade, e normalmente empresas com ESG forte, onde o G de governança é a mãe de todos os demais aspectos, são empresas mais resilientes. Quando o investidor busca mais qualidade, vai para uma empresa mais resiliente.

Existe uma correlação entre tratar o ESG de maneira profissional e ter mais qualidade no ativo e menos sujeição a riscos de cauda [eventos com chance baixa de ocorrer, mas que podem ser catastróficos para o negócio].”

MUITO ALÉM DO MARKETING – “Estamos olhando atentamente para esses fundos. O que eles estão trazendo? Não dá para chamar o fundo de ESG se tudo o que ele faz é doar parte da taxa de administração para uma instituição social. É como eu costumo brincar: se você pesa 100 quilos em um dia, no dia seguinte não vai acordar com 80 quilos – isso só vai acontecer se você perder uma perna. Não dá para ser um fundo não-ESG hoje e amanhã acordar ESG.

O Brasil ainda está dando ‘baby steps’ nessa área. E essa regulação dá um norte, mostra o que o bebê tem que fazer para crescer, para se alfabetizar.

Se olharmos para fora, mesmo em mercados mais desenvolvidos, como na Europa, eles não se consideram tão maduros assim. Isso é algo em evolução e que tem melhorado em todo o mundo. A gente se preocupou em criar uma direção que não seja hermeticamente fechada, que seja flexível.”

O QUE PODE E O QUE NÃO PODE – “Colocamos uma pedra angular para essa discussão começar de maneira equilibrada – já aproveitando o que tem de experiência adquirida em outros países. O que fizemos foi não querer reinventar a roda, mas também não querer copiar uma roda que não funcionasse para o Brasil, que não respeitasse nossas características de mercado.

Muda muita coisa com essas regras, porque elas estabelecem marcos importantes que a indústria não tinha. Definem o que pode chamar de ESG e o que não pode, quais metodologias o investidor tem que demonstrar.

O gestor tem que abrir a cozinha dele pra mostrar como faz a receita do fundo dele. Tem que mostrar tudo.”

CLASSES DE ATIVOS – “Colocamos um sarrafo para as classes de ativos de renda fixa e variável, que são mais elementares, e ainda temos trabalho a fazer sobre as outras classes de ativos, como os fundos multimercado, fundos imobiliários e FIPs. Agora a gente vai se debruçar com os experts nesses fundos para definir as regras.

A regra é compulsória e os fundos vão ter q se adequar até o meio do ano ou até o fim do ano, dependendo da situação de cada um. Em 12 meses teremos 100% dos fundos enquadrados na nova regra.

A partir daí temos três caminhos possíveis: ou o fundo vai passar nesse novo crivo e vai manter na sua denominação a expressão ‘Investimento Sustentável’, ou não vai passar e vai ser um ‘ESG integrado’, ou eventualmente não vai ser nada associado a ESG.”

TRANSPARÊNCIA – “Na análise dos fundos, vimos teses bem misturadas: desde fundos focados em impacto social até gestores que colocam uma referência ao ESG para parecer que fazem uma gestão melhor, com mais profundidade.

Antes não tinha regra, cada gestor dava ao fundo o nome que queria. Agora isso vai acabar. Se o gestor quiser um nome fantasia de “sustentável”, vai fazer um pedido à Anbima, que vai avaliar a documentação e verificar se cumpre ou não os requisitos.

Se não cumprir, tem que mudar o nome e a descrição do fundo no material publicitário.”

FEEDBACK – “Ainda é cedo para avaliar, mas, de forma geral, acho que a indústria de fundos achou a mudança positiva. Tivemos um feedback positivo de quem está levando o assunto realmente a sério, com comentários do tipo ‘Que legal que a discussão está mais profunda’, ‘Que legal que vocês se inspiraram nas melhores práticas internacionais’. Agora vamos ver o que vai acontecer à medida que a regra for sendo aplicada.”



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