Como levar a inovação produzida dentro das salas de aula para a agenda das empresas? É o que explica a EMERGE

Julia Moioli | 5 set 2022
Lucas Delgado, sócio-diretor da EMERGE Brasil
Julia Moioli | 5 set 2022

No mundo dos negócios pouco ou nada se fala dos bastidores das universidades – entretanto, além de ensino e pesquisa e extensão, a academia possui papel fundamental no fomento ao empreendedorismo. Apesar de as salas de aula contarem com um valioso poder de articulação, os spin-offs acadêmicos (negócios criados dentro das universidades para levar pesquisas e conhecimentos ao mercado) baseados em ciência ainda estão longe de atingir seu potencial. Foi aí que o engenheiro Lucas Delgado, de 29 anos e o advogado Daniel Pimentel, também 29, encontraram o nicho para seu negócio: a EMERGE Brasil, consultoria de inovação especializada em deep techs, da estratégia à integração de tecnologias, que faz a ponte entre a produção de conhecimento dentro das universidades diretamente para a agenda das grandes empresas.

“Apesar de o Brasil ter uma ciência forte e relevante em diversas áreas, na maioria das vezes, ela não é transformada em inovação que atinge a sociedade. Temos um polo muito forte de fintechs, de e-commerce e de outras plataformas digitais, mas existem poucos negócios com base em ciência surgindo no país”, afirma Delgado.


A empresa trabalha com cientistas e a indústria, realizando definição estratégica, desdobramento, mapeamento, scouting (observação, análise e prospecção de tecnologias junto a universidades) e integração de tecnologias nas empresas. Em seis anos de funcionamento, já conquistou clientes de setores diversos como o farmacêutico (Eurofarma, Ache, Novartis), alimentício (JBS, BRF), infraestrutura (Andrade Gutierrez) e de cosméticos (O Boticário, Natura).

“Não existe inovação sem ciência e sem relacionamento com a universidade. Todos sabem disso. A questão é que muitas vezes esse valor está trancado e não pode ser explorado. As empresas não contam com metodologia de prospecção e recuperação de informação para acessar de maneira prática esse ativo que as universidades também não sabem expor. O trabalho da EMERGE é transitar nesses dois mundos e desfazer a tranca.”

Para Delgado, ciência e inovação são soluções para problemas que já comprometem produtos e serviços. “Essa demanda está intimamente relacionada à pauta ESG: como acessar uma nova camada de inovação porque as que já são acessadas não geram mais vantagens competitivas.”


PASSO A PASSO

Lucas Delgado explica como a EMERGE trabalha. São basicamente as seguintes estratégias:

1. Divulgação na mídia e eventos específicos para atrair pesquisadores de universidades;

2. Prospeção via artigos científicos, patentes, publicações e produções científicas de forma geral. A empresa também faz estudos bibliométricos, ou seja, entra nas principais ferramentas e depósitos de artigos e patentes, recolhe as informações, refinando-as;

3. Entrar em contato com os cientistas, verificar a tecnologia e recolher informações, com o cuidado de não invadir a propriedade intelectual;

4. Compartilhar com empresas, que trazem seu feedback;

5. Selecionar tecnologias que tenham mais possibilidade de chegar ao mercado pela perspectivas das empresas e da EMERGE;

6. Montar os business cases, com roadmaps, próximos passos, custos e onde a tecnologia pode ser integrada na companhia, gerar mais valor para o mercado e modelos de parceria que fazem sentido ser estabelecidos.

BIOMA: UMA CHANCE PARA O BRASIL

Delgado acredita que o Brasil é um país rico, cheio de oportunidades, mas ate hoje não despontou no cenário da ciência internacional. Segundo ele, temos ouro nas mãos: nossa biodiversidade. “Temos um grande ativo, que ainda não é utilizado e pode despontar, que é a riqueza de nosso bioma: o Brasil representa de 15% a 20% da biodiversidade global, contribui com 15% das espécies de plantas e com 11% das de peixes do mundo. Seria uma tolice muito grande perder este que talvez seja o último bonde para nos colocar no radar e para o qual o mundo inteiro olha com bons olhos.”


É nesse tema que se concentram atualmente as atenções da EMERGE, por meio do recém-lançado projeto EMERGE Biodiversidade, que tem potencial para se tornar um dos mais inovadores do mercado de ciência nacional.

Partindo da tese de que a melhor forma de compensar o risco tecnológico da inovação em seus primeiros passos é reduzir o risco de mercado, a EMERGE firmou quatro parcerias (Aché, Grupo Boticário, Ourofino e Braskem) para mapear, por meio de metodologia própria, tecnologias que utilizem insumos da biodiversidade brasileira (Amazônia, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa, além da Amazônia Azul) e estimular parcerias e apoiar a criação de startups. As soluções selecionadas receberão até R$ 1 milhão de investimentos, além de inteligência de mercado.

PARA CADA SETOR, UMA SOLUÇÃO

A ideia é encontrar soluções potenciais para desafios das áreas de saúde e fármacos, cosméticos e perfumaria, saúde animal e químicos renováveis e novos materiais. Entre eles estão a busca de novos insumos, ingredientes e aplicações originárias da biodiversidade brasileira, inclusive em embalagens, além de novas tecnologias que possam tornar as operações mais sustentáveis, com uso da economia circular, reaproveitamento de resíduos da cadeia de produção e diminuição da pegada de carbono.

MAPEAMENTO DA AMAZÔNIA

A experiência e o know-how para organizar a empreitada veio de uma iniciativa anterior, fundamental para testar as águas, o EMERGE Amazônia, centrado no maior bioma brasileiro (e com, potencialmente, a maior quantidade de tecnologia e utilização de insumos da biodiversidade). Funcionou.

Com empresas dos três setores com maior produção de ciência conectada da Amazônia – saúde, alimentos e cosméticos e bem-estar – o projeto mapeou 147 tecnologias conectadas a desafios como criação de novos produtos, substituição de insumos e processos de extração mais sustentáveis.

Os passos seguintes foram contactar os cientistas, recolher informações, receber feedback das empresas e montar os business cases, com processo de desenvolvimento, roadmap e custos, sanando a maior dificuldade dos cientistas. Três (duas em fitofarmácos e uma de alimentos) receberam investimentos totais de R$ 750 mil, levantados pela empresa e estão em processo se se tornar startups.



“Nossos projetos são inovadores e atrativos para escalonamento porque atuam em três grandes frentes, fundamentais para o mercado atual: olhamos ciência e biodiversidade como uma grande biblioteca para aprender e para pensar em como dar volume sem impactá-la, preservação e valorização mostrando economicamente que é mais interessante floresta em pé e auxílio ao cientista para redirecionar e trasladar a ciência para o mercado, com conhecimento específico de negócios.”



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