“Demissão é um assunto tabu: quase 70% dos gestores não estão preparados para demitir alguém”, revela consultor

Mariana Sgarioni | 25 jan 2023
Rafael Souto, fundador e CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado.
Mariana Sgarioni | 25 jan 2023

Um breve passeio pelas redes sociais, especialmente pelo Linkedin, já é suficiente para perceber a quantidade de profissionais que foram demitidos recentemente – e se ressentem pela forma descuidada com que este desligamento foi feito. As demissões em massa, com destaque para as protagonizadas pelas Big Techs, permearam o noticiário no início de 2023 e revelaram que o processo nem sempre atendeu ao chamado S do ESG.

“Um dos mais fortes impactos que uma empresa pode ter na sociedade é a demissão de um funcionário. Ela afeta tudo: desde o demitido propriamente dito até todo o ecossistema que ele envolve: sua família, o bairro, o comércio local, a cidade, a reputação da empresa, até mesmo a receita tributária de uma região. Portanto, se gera impacto, deve estar na agenda ESG”, explicou Rafael Souto, CEO da Produtive Carreira e Conexões com o Mercado, consultoria que já acompanhou 17 mil demissões desde 1995.

Entre maio e julho de 2022, a Produtive elaborou uma pesquisa com 417 profissionais sobre sua experiência com a demissão. Os números são preocupantes: 61,4% dos demitidos foram surpreendidos pela notícia do desligamento, o que demonstra que não houve nenhuma preparação prévia; 35,7% alegou falta de clareza do gestor neste momento; quase 70% dos líderes não sabem demitir, ou seja, não estão preparados para a função; 46% dos demitidos relatam ter ficado magoados com a forma como o desligamento foi feito.

“A responsabilidade da empresa está na forma como ela conduz o processo e não na demissão em si. Esta condução começa muito antes do dia do offboarding. Deve-se iniciar preparando o gestor, pois quem demite sofre para fazer isso – o líder não pode ser jogado aos leões. O RH também deve ser preparado para oferecer bom pacote de benefícios ou ajuda ao demitido. Não se trata de um evento isolado e sim de um processo”, observou.

ATITUDES QUE MUDAM A PERCEPÇÃO DA EMPRESA

A forma como um profissional é tratado no momento do seu desligamento muda o olhar que ele tem sobre a empresa – e também dos colaboradores que ficaram. Segundo Souto, é importante que as empresas entendam que são responsáveis por seus profissionais desde o momento do recrutamento, passando pelo treinamento, desenvolvimento, até o momento do offboarding, ou seja, a finalização da experiência do profissional com a marca.

“Se vou demitir tenho que ter responsabilidade para fazer isso e terminar este ciclo de maneira saudável. Não se trata de relativizar a demissão, e sim de fazê-la de maneira profissional. Assim como gasto energia para contratar, tenho que colocar a mesma energia para demitir. É preciso organizar uma política interna de demissão responsável quando não houver demissão, preparar uma estrutura – e não fazer tudo em cima da hora”.

Souto lembra da importância de um bom relacionamento – ainda que chegue ao fim – com a marca. “Demitir com responsabilidade afeta a reputação de uma marca. Se o profissional se sentir acolhido, ele jamais será um detrator – caso contrário, ele vai ferir esta reputação e vai acabar afastando novos talentos, que não vão querer trabalhar na empresa”, disse.

O consultor lembrou ainda que a demissão responsável é uma atitude engajamento não apenas com quem sai, mas também com os funcionários que ficaram.

“Como vou me motivar a trabalhar nesta empresa que tratou tão mal um colega no desligamento? Os que ficam sentem a dor dos colegas, falam nas redes. Portanto, a responsabilidade impacta todos os stakeholders. O tema é estratégico pois o impacto vem em avalanche”.

NetZero pediu dicas pontuais de Souto para organizações que estão passando por este momento – ou que um dia vão passar. Veja a seguir:

O “SIM” E O “NÃO” DA DEMISSÃO RESPONSÁVEL

  • SIM:
  1. Planeje o processo do desligamento com antecedência. Saiba qual o seu orçamento, qual será o impacto destas demissões.
  2. Invista na preparação dos líderes envolvidos. Quem serão os gestores que farão as demissões? Eles precisam ser treinados com cuidado.
  3. Pense numa política de benefícios para propor ao demitido (se não houver recursos, como plano de saúde estendido, por exemplo, pode ser serviços simples, como oferecer modelos de currículos, indicações para vagas etc)
  4. Trate esta pessoa como você gostaria de ser tratado. Ela é uma formadora de opinião, uma consumidora em potencial e pode vir a trabalhar para você novamente.
  • NÃO:
  1. Não faça demissões coletivas, prefira conversas individuais e personalizadas.
  2. Não seja rápido: trate o profissional com respeito, deixe que ele saia da empresa com calma, em seu tempo, que ele se despeça dos amigos, que fale o que precisar.
  3. Não demita a pessoa sem uma pesquisa prévia: muitas são demitidas no dia do aniversário, do falecimento de um parente, durante a gravidez, ou mesmo quando estão impedidas legalmente de serem desligadas. Avalie bem para não cometer gafes.
  4. Evite demissões em datas festivas, como Natal, ou sextas-feiras à tarde, quando a pessoa ficará dias desamparada, sem o apoio da organização.


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