Foodtech conecta consumidores a pequenos produtores rurais e cria fundo gerido por eles para incentivar o desenvolvimento da cadeia

Renato Essenfelder | 21 dez 2021
(Crédito: Divulgação/Raizs)
Renato Essenfelder | 21 dez 2021

O ano era 2014. O engenheiro Tomás Abrahão voltava de uma temporada em Bangladesh, onde trabalhou na ONG de Muhammad Yunus, laureado com o Nobel da Paz em 2006 por iniciativas inovadoras de microcrédito, quando começou a pensar em como poderia aplicar a filosofia de Yunus de apoio a pequenos empreendedores a uma área que já lhe interessava há anos: a alimentação, em especial a alimentação orgânica e saudável.

Já em São Paulo, ele pôs em prática uma ideia simples. Queria conectar produtores rurais de pequeno porte a consumidores da Grande São Paulo. Com isso, eliminaria ao menos duas etapas da logística tradicional de alimentos: o distribuidor rural e o distribuidor urbano. Assim, a comida chegaria mais fresca e saudável aos clientes, e os agricultores ganhariam melhor e teriam mais previsibilidade sobre as vendas.

Começava ali o embrião da Raízs, uma foodtech que conecta o campo à cidade. A empresa começou na garagem da mãe do Tomás. Lá, ele tinha um freezer e distribuía pessoalmente os alimentos orgânicos para os clientes, que compravam por meio de um site. De lá, mudaram-se para uma casa pequena em Pinheiros [bairro da zona oeste de São Paulo].

Em 2018, conseguiram um galpão de 400 m2 no Butantã e, em 2020, o endereço passou a ser uma construção de mil metros na Vila Leopoldina [também na zona oeste]. “Hoje, queremos ser uma alternativa aos supermercados tradicionais e já temos um mix de mais de 3.000 produtos”, descreve a publicitária Bianca Reame, diretora de marketing da Raízs.

O crescimento do negócio se acelerou nos últimos meses e isso não é coincidência. A pandemia de Covid-19, que obrigou milhões de famílias a passarem muito mais tempo em casa nestes últimos dois anos, acabou tendo um efeito secundário inesperado.

“Acho que as pessoas adquiriram mais consciência alimentar. Fechadas em casa, começaram a cozinhar muito mais e a prestar mais atenção naquilo que preparavam e que comiam. Também começaram a fazer mais as contas dos gastos com alimentação e a perceber o desperdício de alimentos.”

O resultado, para a Raízs, foi um salto. “Tivemos um crescimento enorme”, completa a executiva. A empresa hoje faz cerca de 700 entregas diárias no Estado de São Paulo, e sua base de clientes dobrou desde o começo da pandemia, para cerca de 7.500/mês. Em faturamento, a foodtech cresceu 200%.

LOGÍSTICA AFIADA PREVINE ALTAS TAXAS DE DESPERDÍCIO

O segredo e o desafio do modelo de negócio da Raízs é a agilidade exigida pelo sistema “on demand”. A empresa promete máximo frescor nas frutas, legumes e verduras comercializadas – tudo é colhido até 24 horas antes da entrega. Os alimentos são todos orgânicos e, por dia, são mais de 15 toneladas de produtos transportados entre o campo e a cidade.

Os produtos mais vendidos são os “clássicos”, como define a diretora de marketing: tomate, banana, cebola e alguns “queridinhos das estações”, como morango e pinhão. Além disso, há um mix de “diferentes”: brócolis romanescos, cenoura roxa, abobrinhas de vários tipos diferentes, entre outros.

“As mães em especial adoram essa variedade, porque as crianças se surpreendem e gostam de experimentar”, diz Reame.

“Temos um sistema para só colher o produto a partir da demanda. Se não tem demanda, o produtor nem vai colher o alimento, e com isso ele vai durar mais tempo. Eu não tenho uma câmara fria em que possa deixar os alimentos armazenados por meses.”

Além do frescor, outra consequência é a redução do desperdício – um verdadeiro mal nacional. “A gente trabalha bem próximo aos produtores rurais para reduzir o desperdício, então desde o início nossos parceiros já sabem qual é o nosso padrão de qualidade e qual é o fluxo de vendas. Se um alimento está fora do padrão, ele nem vai colher para nós”, afirma Reame.

(Crédito: Divulgação/Raizs)

Segundo o World Resource Institute (WRI), no Brasil são desperdiçadas cerca de 41 mil toneladas de alimentos por ano, o que faz com que o país figure no infame top 10 dos países que mais jogam comida fora no planeta.

Fora o trabalho certeiro contra perdas, a Raízs conta com uma equipe de três agrônomas que estão constantemente em campo para prestar esclarecimentos e ajudar os produtores a trabalhar de forma mais eficiente. Ao todo, a startup trabalha com mais de 920 produtores espalhados em nove Estados: Amazonas, Pará, Bahia, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais.

FUNDO APOIA DESENVOLVIMENTO DE PEQUENOS PRODUTORES

Outro pilar importante da atuação da Raízs, considerando a agenda ESG e a inspiração fornecida pelo trabalho social de Muhammad Yunus, é a manutenção de um fundo de apoio a pequenos produtores.

O Fundo do Pequeno Produtor Raízs recebe contribuições voluntárias dos próprios clientes da Raízs, que podem doar até R$ 30 a ele, e é alimentado por parte do faturamento da startup. A gestão é integralmente realizada pelos agricultores apoiados e podem ser realizadas saídas de capital semestral ou anualmente. O dinheiro pode ser usado, por exemplo, para a compra de insumos. Nesse caso, a Raízs, considerando o volume da operação, consegue preços mais baixos para beneficiar os parceiros.

Se no pilar social a empresa vai bem, auxiliando pequenos produtores, no ambiental Reame reconhece um grande desafio: as emissões de CO2, para uma empresa essencialmente de logística do campo para a cidade, são um problema incontornável.

“Transporte e logística são uma grande questão para a gente. Temos um trabalho de otimização de rotas, com uma ferramenta que ajuda a economizar tempo e combustível e reduzir emissões nas entregas, mas estamos começando a olhar com mais atenção para isso e a pensar como fazer uma compensação de carbono.”

Ela continua: “Queremos entender melhor como ajudar projetos que atuam nessa compensação e como será o cálculo das emissões. Em São Paulo, infelizmente ainda não conseguimos fugir de motos e carros para fazer a entrega de produtos tão perecíveis”, lamenta a executiva.

O esforço da empresa em apoiar pequenos produtores e combater o uso de agrotóxicos e pesticidas químicos, no entanto, já valeu à Raízs a acreditação no Sistema B, um organismo internacional que audita e certifica empresas que buscam produzir impactos sociais e ambientais positivos.

SERVIÇO DE ASSINATURAS TRAZ MAIS PREVISIBILIDADE

Aproveitando o momento de forte crescimento, a Raízs diversificou a oferta de opções para os clientes. Além do serviço tradicional de encomendas de alimentos específicos pelo site, a empresa também passou a oferecer assinaturas e abriu um empório virtual onde são encontrados também artigos processados – segundo Reame, foi uma demanda dos clientes –, como sucos prontos, produtos de limpeza e até cosméticos, com o diferencial de virem de
produtores nem sempre de pequeno porte, mas com preocupação com sustentabilidade.

Além disso, a empresa mantém uma blocklist: produtos que não entram no mix por serem considerados mais nocivos.

O serviço de cestas por assinatura, que podem ser enviadas semanalmente ou quinzenalmente, já representa 50% dos pedidos do mês. Embora o cliente possa escolher o que não quer receber na cesta, ele não sabe exatamente o que virá nela. São sempre produtos de época – graças a isso, a empresa garante que não haja flutuação de preço por questões climáticas, de safra, de frete, pressão inflacionária etc.

Para o produtor, isso é bom por trazer mais previsibilidade e menos desperdício. Já para quem gosta de cozinhar, diz Reame, é uma surpresa interessante. “O feedback que temos é muito positivo, tem gente que adora assinar a cesta e não saber o que vai receber, porque isso estimula a criatividade e faz com que a pessoa descubra e teste coisas que ela não provaria.”

Não há um perfil de cliente específico da startup, explica a diretora de marketing. “São clientes das classes A e B, mas muito diversos. Em termos comportamentais, temos mães ou gestantes que se preocupam com a alimentação da família, muitos veganos e vegetarianos, o pessoal das dietas low carb e sem glúten, o pessoal do esporte pesado, que entende a alimentação como parte do treino, algumas pessoas solteiras, que moram sozinhas, pessoas mais velhas, acima dos 60 anos, que olha para a alimentação com outros olhos, e uma turma muito legal que ama cozinhar.”

Para o futuro, a ambição da Raízs é grande: “Queremos revolucionar a cadeia de alimentos e nos colocarmos como uma alternativa mais humana, mais consciente, mais amiga do meio ambiente. Queremos fazer a ponte entre pequenos produtores e consumidor final em quase tudo o que vendemos, e assim valorizar os saberes locais e as culturas tradicionais”, conclui Reame.



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