“No Brasil, pequenos produtores trabalham até hoje reproduzindo saberes que receberam de avós. É preciso uma transformação digital”

Julia Moioli | 7 mar 2022
As sócias do ManejeBem Caroline Luiz Pimenta, Juliana Mattana e Juliane Lemos Blainski. (Foto: Divulgação)
Julia Moioli | 7 mar 2022

Quando, há quase dez anos, as então pós-graduandas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Caroline Luiz Pimenta, Juliana Mattana e Juliane Lemos Blainski pesquisavam soluções alternativas para controlar doenças de plantas, uma questão recorrente vinha à tona: por que os pequenos produtores não têm acesso a informações como essas de forma prática?

Em um setor de grandes players e números astronômicos do agronegócio – dados da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) indicam que as exportações chegaram a US$ 120, 6 bilhões em 2021 –, é importante lembrar que 70% dos alimentos que chegam até a nossa mesa todos os dias vêm da agricultura familiar.

Enquanto a agroindústria se apoia cada vez mais em tecnologia de ponta para se desenvolver e bater recordes de produtividade, a realidade dos quase 5 milhões de pequenos trabalhadores do campo é bem diferente. “Cerca de 75% deles não contam com qualquer assistência técnica agrícola. No agronegócio, as soluções são desenvolvidas para grandes produtores e só quando o calo aperta se faz alguma adaptação para os menores”, afirma Juliane, que, com as duas colegas, fundou a ManejeBem para facilitar a comunicação rural e diminuir essa desigualdade.

“No Brasil, os pequenos produtores ainda trabalham por sentimento, reproduzindo conhecimentos que receberam de pais, avós e vizinhos. Há uma carência muito grande em soluções para esse público, mas quando conseguimos conectá-lo, geramos uma transformação digital que transcende nosso propósito de assistência técnica.”

Antes de iniciar seu trabalho de consultoria a agricultores familiares, as três colegas passaram, em 2016, por um período de desenvolvimento de ideias no SGB Lab, programa do Social Good Brasil (organização da sociedade civil) para transformar conceitos de inovação social em iniciativas práticas. Imaginaram o modelo de comunicação mais simples possível e que já faz parte do cotidiano de quase todos os brasileiros: um grupo no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp.

Com produtores e técnicos de todo país, a troca de informações no grupo foi tão rica e intensa que as sócias decidiram investir seus recursos no site ManejeBem.com.br, que funciona como uma grande biblioteca virtual. Ali estão mapeadas mais de 100 culturas, seus principais problemas e como resolvê-los, tudo com linguagem simples e tradução de termos técnicos para serem consumidos de forma fácil e rápida. Sem qualquer tipo de propaganda – apenas marketing de conteúdo bem executado –, já atingiu mais de 900 mil pessoas.

App ManejeBem. (Foto: Divulgação)

Outra questão passou, então, a fazer parte das conversas diárias de trabalho: o que acontecia depois que os produtores tinham acesso ao conteúdo? Faltava acompanhamento para identificar se as soluções propostas haviam sido colocadas em prática e funcionado. Para gerar inteligência para a melhoria da produção agrícola e, consequentemente, das condições de renda, da qualidade de vida e do desenvolvimento sustentável no meio rural, foi desenvolvido o aplicativo ManejeChat.

Por meio dele, o pequeno produtor entra em contato com o técnico agrícola de campo, disponível todos os dias, comunica o problema na sua lavoura e recebe um planejamento específico e diário.

O PAPEL DA AGROINDÚSTRIA NO DESENVOLVIMENTO DOS PEQUENOS

O processo de aceleração pelo qual a ManejeBem passou dentro da Ambev, em 2019, ajudou a colocar a ferramenta em prática e chamou a atenção também para outro ponto importante: além de conteúdo relevante para o desenvolvimento dos produtores familiares, o setor precisa de informações sobre suas matérias-primas. Foi assim que o modelo atual de projeto da ManjeBem passou a funcionar: em parceria com agroindústrias, seus principais clientes.

“Não é só tecnologia, não é só consultoria. Mesclamos serviço e produto para realmente fazer a comunicação com o pequeno produtor, coletar as informações dessa base de pirâmide da agricultura e criar toda uma cadência de soluções posteriores.”

O projeto-piloto na Ambev rodou no interior do Maranhão e incluiu 56 pequenos produtores de mandioca, fornecedores de matéria-prima para cervejas regionais, consumidas e produzidas dentro dos estados. Cerca de 80% aderiram a novas práticas que desconheciam, como o uso da calda da folha de nim, presente na região, para combater ácaro na folha de mandioca.

A ideia foi testada e validada, com redução de custo da produção e de uso de agroquímicos. A cerveja do Maranhão foi premiada internacionalmente devido a essas ações com os pequenos agricultores. No ano seguinte, mais de mil produtores já eram impactados. Hoje, a ideia se estendeu aos estados do Ceará, Pernambuco, Piauí e Goiás.

“Não somos apaixonadas pela nossa solução, mas pelo problema: são muitos produtores, dispersos pelo país e têm baixa aptidão tecnológica. É um universo inteiro a se trabalhar e nós queremos continuar evoluindo para encontrar novos caminhos para atender e solucionar os impasses da agricultura familiar.”

Entre parceiros e clientes, a ManejeBem conta com Gerdau, Embrapa, Cargill e Dengo. Outro setor que viu resultados positivos na solução da ManejeBem foi o de mineração, que sente a necessidade de oferecer respaldo a comunidades rurais afetadas de alguma forma por sua atuação. A ideia é que, desenvolvendo a produção agrícola, os moradores dessas regiões consigam dominar uma atividade econômica de onde possam tirar seu sustento quando a mineração não estiver mais lá.

Além de capacitar e melhorar as condições socioambientais de quem produz comida, essas ações, quando metrificadas e comprovadas, beneficiam o setor do agronegócio como um todo, incluindo as grandes indústrias: reforçam posicionamento de marca, conquistam novos clientes e abrem espaço para investimentos externos.



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